Ideias perigosas (ou a verdadeira origem da crise)

Não existam ilusões: enquanto não se desacreditar o embuste intelectual que nos tem governado nos últimos 40 anos não iremos conseguir acabar com as crises

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Flickr/Stencilpedia

A crise que estamos a viver é o resultado de muitas crises, já o sabemos: uma crise financeira mundial, uma crise de competitividade da economia portuguesa (em junção com uma crise industrial do ocidente) e uma crise das instituições democráticas. Porém, o que verdadeiramente está na origem de tudo isto, é um conjunto de ideias erradas! Erradas não por serem más (que o são), mas por serem falsas, falácias de raciocínio que agora começam a mostrar as suas consequências. Em concreto, trata-se de um erro brutal no pensamento económico: as ideias que dominaram a ciência económica a partir de meados do séc. XX (o chamado pensamento neoclássico) são falsas e perigosas! Mas só hoje as populações ocidentais começam a sentir, verdadeiramente, as consequências nefastas de termos andado atrás de um logro intelectual (outras populações, como as da Argentina ou do Chile, já passaram pela tormenta mas a distância não nos fez sentir a sua dor). Hoje, a europa periférica está a ser a porta de entrada da dor que sempre sucede ao erro. Mas somos apenas os primeiros a sentir algo que a todos chegará. Enquanto as ideias neoclássicas (e a sua deriva neoliberal da escola de Chicago) continuarem a ser seguidas, o mundo convergirá para a catástrofe. Uma catástrofe que, enquanto não se concretiza, vai beneficiando uns poucos à custa de uns muitos…. E como os poucos têm o poder, é difícil mudar. Mas, de facto, não há como a dor para nos despertar (“inútil dormir que a dor não passa”). A dor porque estamos a passar está a ter, pelo menos, esse mérito: finalmente uma maioria está a perceber que as ideias podem ser perigosas e que estas (as neoclássicas e neoliberais) são-no. É verdade que já muitas ideias ao longo da história foram responsáveis pela morte de muita gente (estas não inovam nessa qualidade…). Pena é que tenhamos sempre que esperar pela dor para as rejeitar… 

A economia é uma ciência social, sempre o foi, e sempre o será. Não importa que linguagem utilize (a das palavras ou a da matemática), nunca será uma ciência exacta e nunca conseguirá fazer previsões rigorosas. E terá sempre ligações à política e à ideologia. É impossível fazer uma política económica ideologicamente neutra! As ideias que os economistas de Chicago (liderados por Milton Friedman) veiculam, e que impuseram com sucesso nos centros de decisão económicos mundiais, são cientificamente inválidas, ideologicamente enviesadas, socialmente catastróficas. A culpa não é da ciência económica (que tem mais de duzentos e cinquenta anos de história) nem de todos os economistas (que muitos existem, e existiram, que se opõem à doutrina ortodoxa). A culpa é de um conjunto de economistas particular que desenvolveu um corpo teórico errado mas que (por ideologicamente enviesado) acabou por agradar a um outro conjunto de pessoas que tinham o poder e o dinheiro necessário para fazer florescer tal embuste intelectual. As vítimas, porém, estão aí para serem contadas e mais virão se não se desistir, de uma vez por todos, de dar ouvidos a quem só tem mentiras para contar. Finalmente começa a estar à vista de todos que o pensamento económico neoclássico e neoliberal é tal qual um manual de engenharia em que se tivessem inventado novas leis da física. Quem seguisse tal manual estaria condenado a construir pontes que cairiam, aviões que se despenhariam e prédios que se desmoronariam. A economia neoclássica e neoliberal assumiu um ser humano que não existe, modelou equilíbrios sociais irrealizáveis e desenhou políticas económicas com esses pressupostos. As instituições que seguiram tal cardápio (está hoje claro) só geraram desigualdades, falências socias e potencialmente originam o colapso económico e o caos. 

Não há prémios Nobel que valham ao pensamento neoclássico. Os livros que venderam, as cátedras que ensinaram e as faculdades que dominaram, tudo isso tem de acabar. Não existam ilusões: enquanto não se desacreditar o embuste intelectual que nos tem governado nos últimos 40 anos não iremos conseguir acabar com as crises. Estas crises que vivemos têm essa raiz. Arranquemo-la, então!

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