Sérvia: Nikolic, afinal, é Napoleão

Tomislav Nikolic, o novo Presidente da Sérvia, resolveu transformar numa “ala psiquiátrica” o Tribunal de Haia, onde estão a ser julgados dois antigos responsáveis sérvios

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Reuters

António Lobo Antunes, no seu livro “Memória de Elefante”, descrevia a paciente do protagonista do romance (um médico psiquiatra) como alguém que se achava a dona do hospital onde estava internada e que vendia bichos amestrados a estátuas, reformados barbudos de pedra para repuxos e soldados desconhecidos a domicílio. Uma questão retórica, sem dúvida: o intuito era o de concluir pela fraca condição mental da senhora.

Tomislav Nikolic, o novo Presidente da Sérvia (ou presidente, dependendo da importância que se lhe dá), resolveu transformar numa espécie de “ala psiquiátrica” o Tribunal de Haia, onde estão actualmente a ser julgados dois antigos responsáveis sérvios – Radovan Karadzic (sérvio bósnio) e o general Ratko Mladic. Ambos estão acusados de terem participado directamente no massacre de 8000 homens e rapazes muçulmanos pelas forças sérvias da Bósnia, em 1995. Um genocídio, portanto, como o classificou o Tribunal das Nações Unidas para os crimes cometidos na ex-Jugolávia e o Tribunal Internacional de Justiça.

Mas Nikolic acha que não. Depois de tomar posse na semana passada, o nacionalista sérvio antieuropeísta preferiu brincar com as palavras num jogo de manifesto mau tom: “em Srebrenica, foram cometidos graves crimes de guerra por alguns sérvios, e estes devem ser encontrados, acusados e punidos”.

Ora bem: em sérvio ou noutra língua qualquer, genocídio significa “destruição metódica de um grupo étnico ou religioso pela exterminação dos seus indivíduos”. Pode ter fundamentos étnicos, raciais, nacionalistas, religiosos ou até políticos. Uma coisa é certa: um genocídio – como o que foi levado a cabo pelas forças sérvias na Bósnia – não se inclui na categoria dos chamados “actos de guerra”.

Mas, para se perceber melhor o alcance do pensamento de Nikolic, veja-se que, numa entrevista concedida a um canal de televisão do Montenegro, disse ser “muito difícil acusar alguém e provar em tribunal que um acontecimento foi um genocídio”. Pois é. Se calhar, também é por isso que não vai estar presente nas cerimónias evocativas do genocídio, em Novembro próximo. Argumento? “O meu antecessor esteve lá e prestou tributo. Por que deveriam todos os presidentes fazer o mesmo?”

Um verdadeiro génio, este senhor. Um visionário. Pena que António Lobo Antunes não tenha paciência para escrever sobre tais modos de estar e de pensar.

Nikolic perdeu as eleições de 2004 por ter um discurso demasiado nacionalista. Corrigindo “o tiro”, acabou por conseguir chegar ao poder. E não tardou em espalhar desmandos verbais, como estas pérolas. Mas o diagnóstico deste senhor pode ainda não estar feito. Estou em crer que, no fundo, ele acha que é Napoleão.

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