José Sócrates acusado de 31 crimes e de acumular 24 milhões de euros na Suíça

Ministério Público acusa 28 arguidos na Operação Marquês.

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José Sócrates Daniel Rocha

A Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou na manhã desta quarta-feira que o Ministério Público (MP) deduziu acusação na Operação Marquês contra 28 arguidos, entre eles o ex-primeiro-ministro José Sócrates, a quem são imputados 31 crimes. Neste caso foi acusado um total de 19 pessoas singulares e nove empresas, incluindo o ex-banqueiro Ricardo Salgado, os gestores Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, o fundador do Grupo Lena Joaquim Barroca e o antigo ministro socialista Armando Vara

Num comunicado enviado minutos depois das 10h30 à comunicação social (documento em PDF), a Procuradoria-Geral da República anunciou que José Sócrates está acusado de 31 crimes: três de corrupção passiva, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada. O Ministério Público especifica que o antigo primeiro-ministro acumulou na Suíça 24 milhões de euros "com origem nos grupos Lena, Espírito Santo e Vale de Lobo". 

Ricardo Salgado é acusado de 21 crimes (entre eles corrupção activa), Zeinal Bava de cinco e Henrique Granadeiro de oito. Armando Vara, por sua vez, é acusado de cinco crimes.

Acusação com mais de 4000 páginas

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal precisa que o despacho final da Operação Marquês tem mais de 4000 páginas e além da acusação integra nove despachos de arquivamento "em relação aos arguidos João Abrantes Serra [advogado], Joaquim Paulo da Conceição [administrador executivo do Grupo Lena] e Paulo Lalanda e Castro [empresário]". Relativamente a este último, adianta a nota, "foi extraída uma certidão para investigação de factos relativos a sociedades que controlava". A PGR explica que o Ministério Público extraiu 15 certidões que lhe vão permitir continuar a investigar suspeitas de crimes relacionadas com este caso em novos processos, agora abertos.

Sobre o conteúdo da acusação, a PGR diz que a investigação se debruçou sobre factos ocorridos entre 2006 e 2015. O Ministério Público considera ter reunido provas de que "José Sócrates, na qualidade de primeiro-ministro e também após a cessação dessas funções", cometeu vários crimes, tendo sido corrompido em três ocasiões.

Um dos corruptores activos terá sido o fundador do Grupo Lena, Joaquim Barroca, o que, segundo a acusação, "permitiu a obtenção", por parte daquele grupo, "de benefícios comerciais". Carlos Santos Silva, amigo próximo do antigo primeiro-ministro, "interveio como intermediário de José Sócrates em todos os contactos com o referido grupo", afirma a PGR, que considera o empresário um testa-de-ferro de Sócrates. 

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Carlos Santos Silva actuou como intermediário do amigo de infância José Sócrates, diz o MP

Ricardo Salgado terá pago "luvas" a Sócrates

O antigo banqueiro Ricardo Salgado também terá pago "luvas" ao antigo governante, segundo a acusação, através de entidades offshore que pretenciam ao Grupo Espírito Santo. "Tais pagamentos estavam relacionados com intervenções de José Sócrates, enquanto primeiro-ministro, em favor da estratégia definida por Ricardo Salgado para o grupo Portugal Telecom, do qual o BES era accionista". Salgado, diz o MP, utilizou o arguido Hélder Bataglia para fazer circular fundos por contas no estrangeiro controladas por este. "Todos esses pagamentos eram justificados com contratos fictícios", refere o comunicado. 

O Ministério Público sustenta igualmente que Sócrates, "conluiado com o arguido Armando Vara, à data administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD), recebeu também pagamentos com origem em receitas desviadas do grupo Vale de Lobo", tendo em vista "facilitar a concessão de financiamentos por parte da CGD".

Segundo a acusação, o dinheiro reunido na Suíça foi, "num primeiro momento, recebido em contas controladas pelo arguido José Paulo Pinto de Sousa [primo de Sócrates] e, mais tarde, em contas de Carlos Santos Silva (neste caso, com prévia passagem por contas de Joaquim Barroca)”.  

A nota adianta que o amigo próximo de Sócrates transferiu o dinheiro para Portugal através de uma “pretensa adesão” ao segundo regime extraordinário de regularização de dívidas ao Estado (uma pequena parte em 2004 e a esmagadora maioria em 2010 e 2011), com o objectivo de “limpar” o dinheiro e o colocar em contas abertas em Portugal. O Ministério Público insiste que, apesar de os milhões não estarem em nome do antigo governante, o dinheiro era utilizado no “interesse de José Sócrates”. E servia para financiar todo o tipo de gastos como a aquisição de imóveis, obras de arte, viagens ou exemplares do livro do antigo primeiro-ministro.  

Tal acontecia através de "entregas de quantias em numerário a José Sócrates, as quais eram efectuadas com a intervenção de Carlos Santos Silva, mas também dos arguidos Inês do Rosário [mulher de Santos Silva], [do motorista] João Perna e do [advogado e colaborador do amigo do antigo primeiro-ministro] Gonçalo Ferreira".

O Ministério Público afirma que a ex-mulher de Sócrates, Sofia Fava – a quem imputa um crime de branqueamento de capitais e outro de falsificação de documento – aceitou figurar como compradora de uma propriedade conhecida como Monte das Margaridas, em Montemor-o-Novo, adquirido com "um financiamento bancário garantido por Carlos Santos Silva, suportado nos fundos trazidos da Suíça". 

A acusação sustenta igualmente que Ricardo Salgado mandou fazer pagamentos a dois antigos gestores de topo da Portugal Telecom (PT), Zeinal Bava e Henrique Granadeiro. “Entre 2006 e 2010, estes arguidos exerceram funções na administração da Portugal Telecom, tendo aceitado esses pagamentos para agir em conformidade com interesses definidos por Ricardo Salgado para o BES [Banco Espírito Santo] enquanto accionista da PT”, lê-se na nota da PGR.

A acusação sustenta que também por determinação de Salgado, já em 2010 e 2011, “Carlos Santos Silva terá montado um esquema, em conjunto com Joaquim Barroca e Helder Bataglia, com vista à atribuição de nova quantia a favor de José Sócrates”.

Venda de terreno em Angola 

A referência diz respeito à forma como decorreu a venda de um terreno do Grupo Lena em Angola, conhecido como Kanhangulo, que foi acordado por 35 milhões de euros e acabou por ser vendido por cerca de 20 milhões. Isto já depois de o grupo ter retido um sinal de oito milhões de euros e ter dado o negócio sem efeitos por incumprimento do comprador. Através do pretenso incumprimento do contrato de promessa, diz a nota da PGR, “foi justificada a transferência de uma quantia para as contas do Grupo Lena que ficou com o encargo de devolver o mesmo montante a Carlos Santos Silva ou a sociedades do mesmo, para este, por sua vez, fazer chegar o dinheiro a José Sócrates”. 

No comunicado, o Ministério Público contabiliza que ao longo do inquérito foram efectuadas "cerca de duas centenas de buscas, inquiridas mais de 200 testemunhas e recolhidos dados bancários sobre cerca de 500 contas, quer domiciliadas em Portugal, quer no estrangeiro".

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