Manuel Pinho arguido para evitar prescrição de crimes no caso EDP

Esperam-se mais arguidos para os próximos dias. Antigo governante não foi interrogado. Juiz não autorizou recente pedido de buscas.

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RUI GAUDÊNCIO

A constituição de Manuel Pinho como arguido no processo das rendas da EDP sem direito a interrogatório, uma prática pouco usual, terá como explicação o facto de os magistrados que dirigem a investigação temerem a prescrição de parte dos crimes sob suspeita. Que, no caso do antigo ministro da Economia, são de corrupção passiva e de participação económica em negócio. A constituição de arguido interrompe a contagem do prazo de prescrição.

Enquanto ministro da Economia, Manuel Pinho terá alegadamente aprovado uma série de medidas que favoreceram a EDP. Na mira do Ministério Público estão iniciativas como, por exemplo, o prolongamento do prazo de concessão de 27 barragens da EDP, em 2007, por 700 milhões de euros. O antigo governante deslocou-se ontem de manhã à sede da Polícia Judiciária, em Lisboa. Quando saiu, cerca de duas horas e meia depois, já era arguido, perante a indignação do seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, que invocou a nulidade desta diligência judicial através da qual o seu cliente passou a arguido.

"Não prestou declararações porque não lhe foi feita uma única pergunta. É lamentável, incompreensível e ilícito", argumentou Sá Fernandes. Por isso, a maior parte das duas horas e meia foi passada com o advogado a contestar este procedimento, explicável pelo facto de as autoridades ainda não terem analisado a fundo todos os documentos apreendidos nas buscas feitas até hoje no âmbito deste processo. Acresce que o juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, não autorizou as mais recentes buscas que lhe foram solicitadas pelos investigadores.

Mais arguidos

Mas não será só uma corrida contra o tempo relativamente aos actos praticados entre 2004 e 2014 por Manuel Pinho e pelos outros sete arguidos do processo, entre os quais o presidente da EDP António Mexia, a justificar que nenhum deles tenha ainda sido interrogado pelas autoridades até hoje. Fonte ligada à investigação fala também na estratégia processual seguida pelos procuradores do Ministério Público, que em breve deverão mandar constituir mais arguidos.

Ao contrário do que afirma Ricardo Sá Fernandes, a mesma fonte garante que Manuel Pinho sabia perfeitamente ao que ia quando entrou na sede da Polícia Judiciária, pouco depois das 10h: que só dali sairia já arguido. Uma condição que lhe dá o direito, a si e ao seu advogado, de consultarem o processo, ficando assim a par de todos os passos dados até hoje por quem investiga o caso e em pé de igualdade com os restantes arguidos, cujos representantes legais já o fizeram.

Na passada sexta-feira, o antigo ministro escreveu um artigo de opinião no PÚBLICO em que garantiu não ter sido favorecido pela EDP: “Para que fique absolutamente claro, a EDP também nunca me pagou, a mim e à minha família, viagens a grandes cidades, estadias em hotéis de cinco estrelas e avenças, nem deu empregos aos meus filhos”. Em declarações ao Expresso, qualificou as suspeitas de corrupção como “um absoluto disparate” e também negou ter tido alguma espécie de benefício com o patrocínio da EDP a uma cadeira leccionada por si na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. “Não beneficio, nem beneficiei, de nenhuma cátedra de três milhões paga pela EDP”, assegurou. Numa conferência de imprensa realizada em Junho, António Mexia confirmou que a empresa apoiou um curso sobre energias renováveis naquela universidade norte-americana com cerca de 266 mil euros anuais, durante quatro anos. Manuel Pinho foi um dos docentes, mas o apoio foi dado de forma “clara e transparente”, garantiu Mexia.

O negócio das rendas e contratos entre o Estado e a EDP começou a ser investigado já em 2012, mas a Polícia Judiciária só foi chamada para intervir no inquérito quatro anos depois, no Verão passado. Antes disso o Ministério Público não se tinha socorrido deste órgão de polícia criminal, apesar das suas especiais competências em matéria de investigação de corrupção.

O inquérito foi aberto pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) na sequência de uma denúncia anónima. 

O que é que já se sabe sobre o caso “rendas da energia”?

Oito arguidos por suspeitas de corrupção

O processo, desencadeado com base em denúncias anónimas em 2012, já conta com oito arguidos. Além de Manuel Pinho, também foram constituídos arguidos o presidente executivo da EDP, António Mexia, e o administrador executivo da empresa, João Manso Neto. Dois outros ex-quadros da EDP, Pedro Rezende e Jorge Ribeirinho Machado, estão na lista dos arguidos, assim como o antigo presidente da REN e actual presidente da administração do Banco de Portugal, Rui Cartaxo. Também pertencem à REN os outros dois arguidos: o administrador executivo João Conceição e o director de regulação, Pedro Furtado. 

Buscas em empresas e consultores

Não foi só na EDP e na REN que o Ministério Público foi procurar elementos de prova com as buscas realizadas no início de Junho. Além destas duas empresas cotadas e controladas por capital chinês, as autoridades também se deslocaram à sede da Boston Consulting Group. Ao longo dos anos, a empresa fez consultoria para o Estado Estado em diversos negócios da área da energia. Por aqui também passaram dois dos arguidos no processo: Pedro Rezende e João Conceição (este último também foi assessor de Manuel Pinho). Por aqui também passou o antigo director geral de energia Miguel Barreto que autorizou um dos negócios que, segundo o Observador, está na mira do Ministério Público - a atribuição de uma licença sem prazo à central de Sines.

O que é que está a ser investigado?

A investigação do DCIAP abrange o período entre 2004 e 2014. O início coincide com a publicação do decreto-lei que deu origem aos famosos Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), uns instrumentos de compensação que vieram substituir os Contratos de Aquisição de Energia (CAE), que proporcionavam rendas fixas, e que era necessário extinguir para que pudesse avançar o mercado ibérico da energia. Os CMEC deveriam ser neutros face aos CAE (ou seja, assegurar o mesmo nível de rentabilidade), mas as autoridades suspeitam que vieram trazer benefícios adicionais.

Onde é que Pinho entra na história?

Segundo o Expresso e o Observador, o DCIAP suspeita que a EDP tenha sido beneficiada em mais de mil milhões de euros. Os CMEC só entraram em vigor em 2007 e algumas das suas principais componentes só foram fixadas durante esse período em que Manuel Pinho esteve à frente do Ministério da Economia. Inclui-se nesse rol o prolongamento do prazo de utilização das barragens da EDP por 700 milhões de euros. Bruxelas já disse que este processo não constituiu uma ajuda de Estado indevida e que a metodologia usada para fixar o valor foi adequada, mas está a analisar a extensão das concessões sem concurso público.

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