Concurso para nova incineradora nos Açores está a ser investigado

O Ecoparque de São Miguel começou por ser aprovado por unanimidade. Mas entre tensões políticas, queixas no Ministério Público e nos tribunais, deixou de reunir consensos.

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Uma das queixas foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada Paulo Pimenta

Os Açores querem avançar com uma incineradora de resíduos na ilha de São Miguel, a segunda no arquipélago, num projecto orçado em 64 milhões de euros, que está longe de ser consensual. Para já, e para além das tensões políticas dentro da Assembleia Intermunicipal da Associação de Municípios da Ilha de São Miguel (AMISM), que é responsável pelo processo, o concurso para a construção da Central de Valorização de Resíduos foi alvo de três queixas da parte de um dos concorrentes, os italianos da Termomeccanica.

Uma das queixas foi apresentada no Ministério Público, outra na secção local do Tribunal de Contas e a terceira, mais recente, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Ponta Delgada, onde é solicitada a suspensão da eficácia do acto administrativo que exclui do concurso um dos concorrentes. Se este pedido for aceite, o processo fica suspenso até à decisão final do TAF.

As queixas partiram da Termomeccanica, que foi excluída do concurso, embora tenha apresentado uma proposta mais baixa (cerca de 53 milhões de euros) e um prazo de construção mais curto, o que deixou caminho aberto para o consórcio luso-alemão formado pelas CME e Steinmüller Babcock Environment.

A Termomeccanica, que construiu a outra central incineradora da região, inaugurada no Verão do ano passado na ilha Terceira, já havia pedido a exclusão do presidente do júri, apontando graves ilegalidades no processo que, alega, lesam os cofres públicos. Como não foi ouvida, avançou para os tribunais.

“Todo o concurso demonstra uma total falta de imparcialidade, que não vejo há dezenas de anos”, argumenta ao PÚBLICO José Luís Moreira da Silva, advogado da Termomeccanica, que fala em “violação das regras de contratação pública”.

Moreira da Silva, responsável pelo Departamento de Direito Público e Ambiente da SRS Advogados, sustenta que a forma como a empresa italiana foi afastada do concurso deixa espaço para “todas as suposições”. Porque, no entender da empresa italiana, o júri assumiu como errados detalhes na proposta apresentada, mas está errado. E dá um exemplo. “Está lá o desenho de uma estrada, que no caderno de encargos tem dois sentidos, e na proposta não diz se é de um ou dois, mas o júri interpreta como sendo de sentido único”, conta o advogado, questionando: “É por causa destas coisas que se atiram 11 milhões de euros pela janela?”

“Já foi adjudicado”

O presidente da AMISM, o socialista Ricardo Rodrigues, que lidera o executivo de Vila Franca do Campo, não responde. Sobre as queixas apresentadas, declina comentar, por não ter sido “oficialmente notificado”, e garante que o concurso está a decorrer normalmente. “Já foi adjudicado, e está seguir os processos normais”, disse ao PÚBLICO, explicando que o prazo de execução da obra são 30 meses, mas os trabalhos só irão arrancar assim que estiverem cumpridos todos os requisitos legais.

O PÚBLICO confirmou junto do Tribunal de Contas e do Ministério Público a existência de queixas dos italianos da Termomeccanica. O primeiro adianta que o processo está a ser analisado, e o Ministério Público fala numa investigação.

“Existe um inquérito por essa factualidade [concurso internacional para construção de uma central de incineração em São Miguel]. O mesmo encontra-se em segredo de justiça, e (...) em investigação”, disse fonte do Ministério Público da comarca açoriana.

A Polícia Judiciária (PJ) corrobora essa investigação. “Existe, de facto, uma queixa-crime, que vai ser analisada”, disse o coordenador da PJ no arquipélago, João Oliveira, acrescentando que o processo chegou às mãos da Judiciária no início de Abril. Sem tipificar os crimes que poderão estar em causa, o responsável sublinha que o facto de existir uma investigação não implica necessariamente a prática de um crime.

Mas se o processo anda agora aos solavancos nos tribunais, no campo político também já conheceu melhores dias. Depois da incineração ter sido aprovada em Novembro último, por unanimidade, pelos seis concelhos (quatro do PS e dois do PSD) que integram a AMISM, nos últimos meses, talvez pelo horizonte eleitoral autárquico estar mais próximo, o processo tem-se politizado.

Ganhou a mais cara

Enquanto o governo regional do socialista Vasco Cordeiro não assume uma posição completamente favorável à incineração, nem totalmente contra esta solução, em São Miguel os municípios sociais-democratas de Ponta Delgada e Ribeira Grande admitem já analisar eventuais alternativas à incineração.

Num comunicado conjunto, e depois de o autarca da Ribeira Grande, Alexandre Gaudêncio, ter pedido a demissão do presidente da AMISM, por dúvidas relacionadas com a transparência do concurso para a construção da central, os dois concelhos garantem estar disponíveis para “analisar até às últimas consequências” outras soluções.

Ricardo Rodrigues responde, ao que considera “graves alegações”, com aspectos técnicos da infra-estrutura. “O parecer técnico que temos é que a proposta melhor é a que é mais dispendiosa”, garantiu, recentemente, à saída de uma reunião da AMISM.

A construção de uma incineradora em São Miguel foi decidida pelos municípios em 2008, mas o primeiro concurso público para a construção acabou por ser anulado pela própria AMISM, já que as três propostas recebidas ultrapassavam o valor-base do concurso.

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