Abusos sexuais que começam por conversas na Internet

Dos primeiros contactos com a pessoa desconhecida passa-se à ligação da webcam "até à última fase e à mais perigosa — a do encontro entre agressor e vítima", diz responsável da APAV.

Foto
A vergonha é muitas vezes um entrave à denúncia Daniel Rocha

Pessoas que criam perfis falsos no Facebook e desenvolvem relações de amizades nesta ou noutras redes sociais. Cada caso é um caso, como diz o procurador Pedro Verdelho, coordenador do Gabinete de Cibercrime da Procuradoria-Geral da República (PGR), mas este tipo de situações é aquele que mais frequentemente se apresenta à Polícia Judiciária (PJ).

No ano passado, em Fevereiro, foi detido um homem de 58 anos que se apresentava como "uma jovem modelo, com uma carreira bem-sucedida e altamente remunerada, amiga do dono de uma escola de manequins, e que enviava, através da rede social Facebook, pedidos de amizade a crianças e jovens raparigas, com quem passava a manter diálogos sobre o mundo da moda", lê-se num dos muitos comunicados da PJ sobre detenções por suspeita de pornografia infantil.

"Após ganhar o interesse das vítimas, o suspeito surgia então nas conversações, apresentando-se como o próprio dono da escola de modelos e, com o pretexto de ingressarem numa carreira de manequim, convencia-as a enviarem-lhe fotos e vídeos em poses sexuais e completamente nuas", acrescenta a nota da PJ. A actividade começou em 2013 e as adolescentes aliciadas tinham entre 13 e 15 anos.

Noutros casos, também referidos nas investigações da PJ, a exposição das imagens de crianças acontece ao mesmo tempo que existem práticas de abusos sexuais: o suspeito que pratica os abusos simultaneamente filma os abusos.

Há igualmente muitos casos de abusos sexuais, entre os que chegam à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em que o autor dos abusos começou por usar a Internet "para estabelecer o contacto e estar mais próximo das vítimas”, diz Daniel Cotrim, assessor técnico da direcção.

Como este, relatado pela PJ e que aconteceu em Ponta Delgada: meninas entre os 12 e os 14 anos "eram abordadas através de comunicações móveis" por um homem de 23 anos, que tinha com elas "conversas de teor sexualizado, convidando-as para encontros íntimos e solicitando-lhes envio de fotos". Isso acontecia desde 2013. O suspeito de pornografia infantil e abuso sexual foi detido em 2016. 

A Internet não esquece

“Aquilo que começa por ser grooming [aliciamento das crianças para fins sexuais], que se inicia através da conversa, passa depois para a ligação da webcam e pela partilha da visualização de actos sexualizados, até à última fase e mais perigosa, que é o encontro físico entre o agressor e a vítima”, explica Daniel Cotrim. “É importante que as pessoas tenham claramente na sua mente que as fotografias e os vídeos podem ser retirados da rede social mas ficam, para sempre, na memória da Internet. “Uma vez na Internet, para sempre na Internet”, reforça.

E sublinha: “a Internet é muito boa”, por exemplo, para criar amizades e manter contactos com pessoas de todo o mundo. “Apenas uma pequena parte da Internet é negativa mas essa parte é muito negativa", alerta Daniel Cotrim, que defende um maior empenho das escolas para formar e ajudar a identificar estas situações antes de elas acontecerem. "Não o fazer é um pouco escamotear a realidade." É ignorar um perigo muito presente.

Quando uma situação de abuso sexual que começou por um contacto na Internet chega à APAV, a associação aconselha os pais a encaminhar o mais depressa possível para a PJ as imagens "para resguardar a prova". A tendência é para apagar de imediato as imagens, para negar o sucedido. Mas numa situação destas "é muito importante que sejam guardadas todas as imagens, que possam servir de prova na investigação". A vergonha é muitas vezes um entrave à denúncia, diz. E insiste: "A vítima deve entrar em contacto com a PJ, para que o equipamento que usou possa ser analisado e investigado, para se perceber de onde é a fonte, de onde partiu esse aliciamento ou grooming."

Sugerir correcção
Comentar