A duas vozes

É pena Amália não poder ouvir o álbum Carminho Canta Tom Jobim. É uma obra-prima da interpretação vocal.

Quando penso que já não sei chorar vou ouvir Amália em Itália para ver se está tudo a funcionar. Nunca falha. Só a minha admiração pela Amália consegue interromper-me. Ela canta em italiano não como se fosse italiana mas como se fosse uma portuguesa a cantar italiano sem qualquer preocupação burguesinha de ter uma pronúncia boa.

Quando fala em italiano com o público ela fala com a mesma pressa com que pensa. Não é italiana nem portuguesa: é a Amália. A Amália fala e canta como ela é. Ela diz-lhes que fado vem do latim fatum, "que significa destino, que é uma coisa feia e triste mas, ao mesmo tempo, muito bonita - porque não se pode mudar".

Bendito seja Frederico Santiago por toda a Amália que ele tem desencantado, incluindo muitas maravilhas e intimidades que um espírito menos aberto poderia não ter escolhido. Ouvir a obra inteira da Amália, como deve ser, é o maior prazer musical da minha vida - e ainda há tesouros por vir.

É pena Amália não poder ouvir o álbum Carminho Canta Tom Jobim. É uma obra-prima da interpretação vocal. Carminho tem o mesmo desassombro, a mesma garra e a mesma certeza que Amália. Digo a mesma porque não concebo ter-se mais. Carminho canta as canções de Jobim como se fossem originais acabados de compôr para ela. Cantando na maneira como canta desde pequena, sem pensar em onde está, ela chega à verdade transnacional da língua portuguesa - onde os países e as políticas não existem nem interessam para nada. E sabe usar a música para lá chegar. E até nós.

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