Seguros de saúde passam ao lado dos serviços de psiquiatria e psicologia

Segundo Álvaro Carvalho, as seguradoras tendem a evitar a cobertura nas áreas da psiquiatria e saúde oral, uma vez que são situações tendencialmente crónicas.

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Um dos dados que preocupam os especialistas é o intervalo que medeia entre o início dos sintomas da depressão e o tratamento médico Martin Henrik

A saúde mental é uma das áreas menos cobertas pelos seguros de saúde em Portugal, sendo residuais as apólices que cobrem serviços de psicologia e psiquiatria, uma situação que preocupa Álvaro Carvalho, director do Programa Nacional para a Saúde Mental.

No final do ano passado, os portugueses beneficiários de seguro de saúde ultrapassavam os dois milhões. O estudo Basef Seguros (de referência para o sector), da Marktest, revelou que, em Setembro de 2016, Portugal tinha 24,6% dos residentes no continente com 15 e mais anos beneficiários de um seguro de saúde. Mas a maioria das apólices não cobre os serviços na área da saúde mental, a começar pela pedopsiquiatria, pediatria do desenvolvimento, psiquiatria ou psicologia.

Álvaro Carvalho diz ter conhecimento da situação e afirma que a mesma o preocupa, pois uma maior cobertura poderia ajudar a dar uma resposta à população que tem a possibilidade de usufruir de um seguro de saúde.

Em Portugal, os especialistas têm estimado que a depressão — tema do Dia Mundial da Saúde, que se assinala na sexta-feira — possa afectar anualmente cerca de 400 mil pessoas.

Um dos dados que preocupam os especialistas é o intervalo que medeia entre o início de sintomas da depressão e o tratamento médico, que, em 2014, era, em média, de cinco anos. Só 35% das pessoas com depressão acederam a cuidados médicos no primeiro ano de surgimento dos sintomas. Em termos de tratamento, as normas de orientação clínica recomendam, em primeira linha, a psicoterapia para pessoas com perturbações mentais comuns.

Faltam psicólogos no SNS

Mas a própria Direcção-Geral da Saúde (DGS) reconhece que esta orientação com vista à psicoterapia é inviabilizada pela escassez de psicólogos clínicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), bem como pelo facto de nem todos os que existem terem formação específica para essas intervenções. No sector privado, existem vários profissionais nestas áreas, mas são poucos os que aceitam clientes através de seguros de saúde.

Segundo Álvaro Carvalho, as seguradoras tendem a evitar a cobertura nas áreas da psiquiatria e saúde oral, uma vez que “são situações tendencialmente crónicas”. O especialista em saúde mental lamentou esta situação, mas disse que o próprio Estado aceitou contratos com hospitais em parcerias público-privadas (PPP), que apenas abrangem internamentos, consultas externas e urgências de psiquiatria, deixando de fora as equipas comunitárias, ao contrário do que está definido na lei de saúde mental. “Quando o próprio Estado tem esta atitude nos hospitais da esfera pública, como os PPP, o que pode fazer em relação aos seguros, que são empresas privadas?”, perguntou.

Também a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, Isabel Trindade, reconheceu a falta de cobertura de seguros na área da psicologia, até porque “psicólogos não faltam”. Na sua opinião, seria muito útil a participação das seguradoras na intervenção precoce, uma das fases do Programa de Prevenção da Depressão que aquela ordem vai apresentar nesta quinta-feira, em Lisboa. Este programa, segundo explicou, defende dois contextos de intervenção: na comunidade (a começar pelo aumento dos conhecimentos das pessoas sobre a depressão) e nos serviços de saúde (que inicia a intervenção junto das pessoas com risco de depressão).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, em todo o mundo, mais de 300 milhões de pessoas sejam afectadas pela depressão, principal causa de incapacidade a nível mundial.

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