O sol na serra

São tão altas as árvores da Serra de Sintra que tapam não só o nascer e o pôr como o próprio brilhar do sol durante a manhã e a tardinha de cada dia.

No sábado passado, no jardim do Palácio de Seteais, o sol apareceu no alto do céu às onze e meia. Às três da tarde já tinha descido para trás dos pinheiros antiquíssimos. Ao longe viam-se as praias quase brancas de tanta luz, como se pertencessem a outro dia, noutro mundo que jamais conseguiríamos alcançar, caso quiséssemos, que não queríamos, porque é impossível estar na serra num dia bonito - como são quase todos - e querer, ao mesmo tempo, sair dali.

Janeiro é um mês de primavera fria. As giestas cobrem os montes de ziguezagues de amarelo torrado. Tudo faz faísca contra o verde profundo das ervas novas: o musgo baço nas pedras, os líquens nos muros, o amarelo desbotado das azedas, o lume crepuscular das camélias.

Atravessa-nos a vista um bando de pintassilgos - mais de cinquenta, todos vermelhuscos e combinados, desafiando-nos a não acreditar neles. A única vez que vi um pintassilgo era só um, num quintal do Algarve, nervoso, fugido dalguma gaiola. Agora eram os donos da paisagem e não se importavam de ser vistos e fotografados.

O dia curto na serra ajuda a dar valor ao que vemos e àquilo em que estamos mergulhados. Há qualquer coisa na inacção dos seres humanos que deixa acontecer o divino. Só parados e inocentes de qualquer autoria é que os nossos gestos conseguem resumir-se ao prazer impotente mas privilegiado da contemplação: estarmos aqui.

 

 

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