Privados e público querem lei plurianual na Saúde. Marcelo pressiona para acordo

Bastonários da Saúde apresentaram proposta a Marcelo e saíram satisfeitos. Associação de privados tinha enviado uma carta ao Presidente há duas semanas.

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Enric Vives-Rubio

Não foi por acaso que o Presidente da República recebeu ontem os seis bastonários das ordens da Saúde e, mesmo sem falar, prepara pressão para que haja no sector um acordo transversal. Para isso tem o público e o privado lado a lado e o Governo não está contra, apesar de dizer que agora não há dinheiro. Marcelo Rebelo de Sousa recebeu o grupo dos bastonários que lhe levou uma proposta para uma lei de programação na Saúde, que invista anualmente cerca de mais 1,2 mil milhões de euros no sector. Mas não é a única proposta que chegou a Belém. Alguns privados, que se juntam no Conselho Estratégico Nacional da Saúde (CENS) da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), enviaram há duas semanas uma carta ao Presidente a defender uma lei de meios.

Os vários ramos da Saúde estão a puxar para o mesmo lado e Marcelo, que no início do mandato elogiou o clima de "pacificação" no sector, propício a um "fácil consenso", está a ouvir os vários actores. Os bastonários tinham pedido a audição em Outubro, mas o Presidente fê-lo esta semana, pouco tempo depois de ter recebido um carta do órgão da CIP, que junta a Apifarma (indústria farmacêutica), a Associação Nacional de Farmácias, a Apormed (dispositivos médicos) e a Associação de Hospitalização Privada, e numa altura em que a oposição carrega nas críticas ao ministro e aponta falhas ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Os seis bastonários da área querem uma “recapitalização” do SNS em 1,2 mil milhões por ano, para que estas falhas deixem de existir. O Governo agradece a proposta, mas diz que não tem margem. Antes mesmo da audição com os responsáveis, Marcelo esteve na Fundação Champalimaud com o ministro da Saúde. Adalberto Campos Fernandes, antecipando a proposta dos bastonários, disse que a posição "é razoável" e não a descartou, mas não será possível concretizá-la de uma vez só: "Obviamente que nem o país suportaria em termos orçamentais um acréscimo imediato desse valor, nem o concerto internacional a que estamos obrigados a responder perante obrigações externas permitiria tal". 

Uma reacção esperada pelos bastonários. “Ele sofre tanto como nós com as exigências do orçamento da saúde ou até mais do que nós. Ele conhece a realidade”, disse ao PÚBLICO José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos. 

Se o problema é a dimensão do reforço, não será o método. Os privados também estão de acordo numa lei de meios plurianual, que consigne a receita de impostos ao sector da Saúde e fizeram-no chegar a Marcelo por carta. "Se houver uma lei que identifique de onde vem o dinheiro, como é feito o financiamento, permitiria um planeamento por parte do ministro da pasta", disse Óscar Gaspar, do CENS da CIP e ex-secretário de Estado da Saúde do Governo de José Sócrates, ao PÚBLICO.

Esta não é a receita milagrosa para os problemas da saúde, mas ajudaria a resolver alguns problemas, acreditam os profissionais de saúde. "O dinheiro é sempre curto. Todos os anos fica mais curto e as necessidades aumentam", respondeu Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, quando questionada sobre se há aumento das cativações de verbas na Saúde que estejam a provocar estas falhas. “De ano para ano o orçamento da saúde ou emagrece ou mantém-se”, lamenta ao PÚBLICO, notando que faltam equipamentos, medicamentos e até alimentos no SNS, como denunciou esta semana. 

Aliás, foram as denúncias que fez que provocaram uma avalanche de perguntas da oposição ao Ministério. Nas últimas semanas, PSD e CDS têm insistido nas falhas da saúde e fizeram já 24 perguntas desde o início de Novembro. “Desde a recusa de atendimento de utentes em diversas especialidades médicas, à sobrelotação dos serviços de urgência hospitalares, passando, ainda, por repetidas rupturas nas escalas médicas, são cada vez mais as evidências de um agravamento das condições de funcionamento do SNS”, escrevem deputados do PSD. Já esta semana, Assunção Cristas fazia o diagnóstico de que a "política de saúde" deste Governo está "desnorteada e sem rumo”.

Ordens satisfeitas com Marcelo

“O Presidente da República ouviu com muita atenção as nossas preocupações transversais e sectoriais, ele está informado, tem feito uma magistratura de influência e é muito interventivo”, comentou José Manuel Silva. O encontro “correu muito bem”, considerou Ana Rita Cavaco. 

Para os enfermeiros, calcula, é necessário contratar três mil profissionais por ano, num horizonte de dez anos. 

Sublinhando que este é “um momento de emergência no SNS e no sistema nacional de saúde no seu todo” (incluindo o sector privado e social), o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro Silva, diz que “hoje se faz sentir um outro tipo de austeridade por asfixia no sector que lentamente está a levar a um estrangulamento”. Na sua área, destaca os atrasos nos pagamentos dos cheques-dentista e a falta de promoção e divulgação deste programa que apenas chega a grávidas, crianças, idosos e infectados por VIH/sida. Com David Dinis

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