Sou taxista

Fomos para a rua à procura de pequenas histórias de taxistas. Encontrámos solidariedade vinda de Espanha, conversadores incansáveis, amizades duradouras e plenas de cumplicidade. E uma história de amor.

Angel Júlio Meija, 49 anos, Madrid

 

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Júlio é taxista há 15 anos. Passou a noite em Lisboa com amigos para se juntar à manifestação. "É um problema europeu", conta. Nas suas costas está a bandeira espanhola, já o seu amigo colocou-a aos ombros. "A união faz a força e é assim que temos de estar, unidos". Júlio tinha uma empresa de alimentação mas fechou-a quando já não estava a funcionar. A família da sua mulher - sogro e cunhados - trabalhavam todos como taxistas. Com a empresa fechada, Júlio acabou por comprar um táxi e começar a trabalhar pelas ruas de Madrid. Gosta de ser taxista porque acaba por conhecer muitas pessoas de vários países. Diz ter melhorado o seu inglês, italiano e o "portunhol". E fica com muitas histórias para recordar e talvez escrever um livro. "De 1500 páginas", diz. "E ficava a faltar uma segunda parte".

Bruno Castro, 31 anos, Porto

 

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Bruno Castro licenciou-se em gestão de empresas no Porto. Recorda que da turma de 25 pessoas apenas três ficaram em Portugal. O resto foi para o estrangeiro. Trabalha como taxista há dois anos. "Ainda é novo", diz José Pinheiro, que está ao seu lado, o chefe da empresa para a qual Bruno trabalha. Saíram juntos do Porto de madrugada. Bruno fala inglês, espanhol e francês. "Ajuda o patrão, quando este não sabe", conta José, que quando recebe estrangeiros no seu táxi liga para Bruno para que eles lhe possam indicar o destino. E não é só José que lhe liga, mas também os clientes habituais. Já conta uma mão cheia. De todas as idades e profissões. "Sr. Bruno, onde está?", "Pode vir buscar-me?". Vários pais confiam-lhe a tarefa de transportar os filhos às discotecas. Se não fosse taxista, Bruno estaria no estrangeiro. Agora é mais difícil porque tem um filho de cinco meses. Mas como diz José, "é um rapaz novo".


José Cunha, 68 anos, Guimarães

 

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Há 38 anos que José Cunha é conhecido pela alcunha "Guimarães" no meio dos taxistas de Lisboa. Trabalhou numa fábrica metalúrgica e foi motorista da TAP, mas foi quando se tornou taxista que descobriu a liberdade. Sempre gostou de conduzir e não se via num trabalho “das nove às cinco”. Não sabe estar no mesmo sítio muito tempo, apenas se for dentro do seu táxi, onde adora falar com as pessoas. "Já conversei com tanta gente. Até com o Presidente da República. Fomos a conversar daqui até Cascais. Parecia que já nos conhecíamos há muito tempo", diz a sorrir. E à medida que vai falando, um grupo de taxistas começa a surgir à sua volta. Querem ouvir as histórias do “Guimarães”. Como esta: uma vez apanhou uma alemã na Avenida da Liberdade. Queria ir para Fátima, para o hotel "Verbo Divino". Ao subir a avenida, a senhora ia cumprimentando e acenando a todas as viaturas ou pessoas por quem passavam. Através de gestos ou palavras soltas, os dois iam comunicando, até a senhora começar a cantar em alemão os versos de uma canção de Fátima. José juntou-se a ela e lá foram os dois auto-estrada fora a cantar, ela em alemão, ele em português. Os amigos riam-se a ouvir a história. "Ela dizia ‘Santa Maria’, eu respondia ‘rogai por nós’", brincou José. Quando chegaram ao hotel, percebeu que a senhora se tinha perdido de um grupo em Lisboa. O hotel pagou a viagem a José, que aproveitou para fazer a pausa de almoço. Pediu uma garrafa de vinho e encheu o copo. A senhora alemã, sem José reparar, apareceu por trás, pegou no copo e bebeu tudo de uma vez. No final disse: "À saúde do Verbo Divino!"


Dulce Carvalho, 57 anos, Lisboa; Luís Sousa Rosa, 73 anos, Madeira

 

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Quando a manifestação chegou à Rotunda do Relógio, Dulce Carvalho deixou-se ficar no carro. Os manifestantes iam passando ao lado do seu táxi, a pé, um deles era um velho amigo, que Dulce acabou por chamar para junto de si. "Oh Sousa! Entra que está fresquinho", disse-lhe. Ligou o ar condicionado e começaram a falar. 
- Somos do mesmo patrão e somos amigos, não é, Sousa?
- Há quantos anos? Vinte e tais?
- Sim...
- Eras tão linda nesse tempo.
- Era um borracho, não era?
Nesse momento começaram a ouvir-se buzinadelas e gritos. Luís contou que um dos taxistas tinha sido agredido e que os polícias tinham disparado um tiro para o ar. "Os homens do Norte estão ali em peso. Não sai ninguém daqui sem vir alguém do governo resolver", disse. De um lado, vários homens vestidos à civil tentavam agredir taxistas. Do outro, um carro da Uber era perseguido e vandalizado por dezenas de taxistas. Quando acelerou e conseguiu escapar da confusão já tinha várias amolgadelas no carro e o vidro de trás partido. "Otário!", gritaram vários taxistas. "Vai haver guerra. Vai haver guerra", dizia Luís, dentro do carro. Veio da Madeira há 50 anos. Tem quatro filhos e aconselhou todos a tirarem a carteira profissional de taxista, não fossem um dia precisar. Mas apenas um dos filhos ficou desempregado e conseguiu outro trabalho. Em casa, vive com a mulher e a filha de 35 anos.
- Se a minha filha casasse, deixava isto tudo e ia logo para a Madeira.
- Levavas-me contigo, Sousa?
- Tu és muito pesada.
- Não sou nada, sou pequenina!

Bruno Pinto, 40 anos, Lisboa 

 

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Bruno Pinto andou pela manifestação com a sua GoPro, que utiliza várias vezes para fazer vídeos quando anda de bicicleta ou faz BTT. Veio para a manifestação a pedido do patrão. É um dia pago, ao contrário dos dias em que o carro fica na oficina quando avaria. "São três ou quatro dias em que não entra dinheiro", diz Bruno. Se não fosse a mulher, que trabalha como empregada doméstica, podia não ter comida em casa para os três filhos. Antes de ser taxista, Bruno trabalhou em sistemas de instalação de satélites e mais tarde em armazéns, no Algarve, mas fartou-se. Veio para a capital e candidatou-se a uma oferta de emprego como motorista de taxis. Há 11 anos que lá está. Já é a terceira manifestação em que participa, mas nunca para entrar em conflitos. Não é contra a uber, mas é contra as grandes diferenças no mesmo tipo de serviço. "Ou eles têm que andar igual a nós ou nós igual a eles, e a partir daí, por mim está tudo bem". Segundo Bruno, ter concorrência até é bom. Levou a que as empresas de táxis comprassem carros novos e se criasse uma aplicação para os clientes. "Agora é preciso mudar as mentalidades de alguns dos meus colegas", disse Bruno. "Se o pessoal se contivesse um bocado, se pensasse, se calhar não tínhamos assim tanta má fama. Por causa de uns, pagam todos".

 

Secundina Silva, 66 anos, Aveiro

 

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Secundina Silva é filha de agricultores. Com 13 anos, veio de Aveiro para Lisboa, para trabalhar como doméstica. Com 21, começou a fazer limpezas na casa de uma senhora. O emprego durou apenas oito dias. "Despachava o serviço em pouco tempo e ficava com o resto das horas vagas", disse. "A senhora achava que o ordenado que me pagava era demasiado para o tempo que estava parada". Com a mala feita, Secundina foi para a rua esperar por um táxi que não chegava. Do outro lado da estrada, um taxista que lavava o carro fez-lhe sinal. "Precisa de táxi?". "Sim". "Vai triste?", perguntou-lhe o taxista, quando Secundina já estava dentro do carro. E, apesar de não ser de grandes conversas, lá contou que tinha sido despedida de um trabalho que tinha começado há oito dias. Foram pela viagem  a conversar até o taxista a deixar em casa da prima. No dia seguinte, estava lá um bilhete. "Ele queria marcar um encontro comigo nesse dia à noite, ali à porta", disse. "E eu apareci". Namoraram 15 meses e estiveram casados 39 anos. Compraram um táxi a crédito e dividiram os turnos entre os dois, até o marido sofrer um AVC, que o obrigou a parar de trabalhar. Tinham dois filhos pequenos e mais um a caminho. "Quantas lágrimas caíram dentro do meu carro. Mas nunca chorei à frente do meu marido". Os dias de Secundina eram passados dentro de um táxi ou do hospital. "Nunca ninguém do governo quis saber se eu ou os meus filhos passávamos fome". Agora, os filhos já são crescidos. O único rapaz também é taxista. É com ele que Secundina partilha os turnos do trabalho. E é para lutar pelos seus direitos e da sua família que participa na manifestação. "Tenho pena que o meu marido não esteja hoje aqui comigo... mas eu sei que ele está. Está sempre".

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