O interior do país quer respostas que nasçam da vontade das suas gentes

Como é que o interior de Portugal pode combater o isolamento e ao despovoamento e assim sobreviver? Juntando vontades, sentando à mesma mesa várias entidades locais e ouvindo os habitantes, responde a Iniciativa para a Economia Cívica.

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A ideia é que cada comunidade se aproprie do modelo de desenvolvimento económico e social Carla Carvalho Tomás

“As pessoas precisam de ver para crer”, afirma Sérgio Cipriano. Nos últimos anos, não tem visto as mudanças que acha suficientes em Gouveia. Contudo, o habitante desta cidade, situada no distrito da Guarda, não é um céptico e acredita que a tendência do despovoamento pode abrandar. Para isso, envolveu-se na comunidade da Iniciativa para a Economia Cívica. Sérgio foi eleito por um conjunto de cidadãos e reuniu-se com as entidades do concelho para perceber os problemas sociais e económicos da sua terra. Tudo para tentar encontrar soluções. Como? Envolvendo entidades locais e os habitantes e explorando as potencialidades da região.

Nas reuniões esteve também Carmo Ambrósio, directora técnica da ADRUSE, Associação de Desenvolvimento Rural da Serra da Estrela. A ADRUSE é uma das entidades locais que fazem parte do projecto-bandeira de Gouveia, juntamente com o agrupamento de escolas, a câmara municipal, a associação de empresários, o Instituto Politécnico da Guarda ou elementos da população. “O projecto é de todos, a ADRUSE é só um chefe de fila”, aponta Carmo Ambrósio. A ideia de Gouveia é aproveitar os produtos locais, como o vinho do Dão, o queijo da Serra da Estrela, que são produtos certificados, ou a indústria têxtil, e torná-los visíveis através da inovação tecnológica.

Sérgio Cipriano é um freelancer na área da tecnologia e diz mesmo que o mais difícil tem sido mobilizar as pessoas. “No entanto, em Gouveia conseguimos reunir cerca de 70 pessoas e já foi uma vitória”, indica, referindo-se à mobilização que o projecto conseguiu em várias localidades. Até 2040, Gouveia pode perder 30% dos habitantes e há que fazer algo. “Se a distribuição populacional for mais equilibrada ficamos todos a ganhar”, afirma Sérgio sobre as diferenças entre o litoral e o interior português.

Foi para encontrar respostas inovadoras e com impacto nestes problemas complexos, que surgiu a Iniciativa para a Economia Cívica. Actualmente envolver 164 entidades distribuídas por sete comunidades: Gouveia (Guarda), Lousã (Coimbra), Miranda do Corvo (Coimbra), Penela (Coimbra), Idanha-a-Nova (Castelo Branco), Vila Velha de Rodão (Castelo Branco) e Fundão (Castelo Branco). Em comum têm vários problemas como o despovoamento, o isolamento, o desemprego jovem e a pequena dimensão da economia.

À frente deste projecto está Maria do Carmo Marques Pinto, a presidente executiva da Associação Iniciativa para a Economia Cívica, que surgiu a 25 de Março de 2015. “O objectivo é que os cidadãos participem pois se já participaram na identificação dos erros, que participem também na resolução.” Para isso, cada comunidade criou um projecto-bandeira, onde é identificado o que pode ser potenciado com os já recursos existentes.

No arranque do projecto, houve a parceria com a Young Foundation, que procura desenvolver uma rede entre a economia local e global. “A ideia é criar uma plataforma para os cidadãos, especialmente fora das principais cidades. Portugal tem espaços espectaculares, boa comida e bom vinho. Agora precisa de se projectar para a economia europeia até 2020, atraindo pessoas de todo o mundo”, afirma Fillipo Addarii, um dos especialistas envolvidos na iniciativa e director da estratégia internacional na Young Foundation. “Há jovens portugueses brilhantes a sair do país. Precisamos de preservar estes grupos sociais e isso faz-se com programas de negócio e com a participação de todos. Precisamos de inovação sistémica e aberta”, reforça.

Como foi então feito o processo? “Chamámos as entidades locais, fizemos um protocolo e reunimo-nos. Depois, cada comunidade idealizou o que poderia ser desenvolvido na economia local”, explica Maria do Carmo. A presidente executiva esclarece que a ligação entre as comunidades é mais que um trabalho em rede - “os objectivos são comuns e a partilha de informação é total”. E dá um exemplo: “O projecto de Penela tem como modelo a saúde inteligente, que depois pode ser replicado por outras comunidades".

Impacto na economia através da saúde

O foco escolhido por Penela foi a saúde. “O proposto foi um projecto com o objectivo de promover hábitos de vida saudável”, indica Viriato Ferreira, da Associação Portuguesa de Medicina Preventiva. O médico explica que há doenças que são “potencialmente evitáveis, com as quais não teríamos de sofrer da forma como sofremos”, como a diabetes ou as doenças cardiovasculares e que estão relacionadas com os hábitos de vida. Então qual é o plano? “A promoção da saúde através de uma melhoria dos hábitos de vida, como a alimentação saudável, a actividade física, redução das taxas de tabagismo e do consumo do álcool”, esclarece.

Mas não se tentará apenas sensibilizar a população para problemas de saúde física. Outro dos objectivos é melhorar a saúde mental, combatendo doenças como a depressão. Porque “a saúde emocional afecta tudo, desde a assiduidade no trabalho ao bem-estar nas famílias”, destaca Viriato Ferreira. Ao melhorar estas variáveis, o projecto conduzirá "a uma diminuição dos custos com a saúde da população”, diz o médico. 

Para que tenha impacto, Viriato Ferreira aponta que toda a comunidade deve estar envolvida. “Só funciona quando todos estão unidos. Senão é uma mensagem fraca”, faz questão de referir. Há três anos que a associação já tinha este projecto de actuação, mas não tinha meios para o fazer. Surge agora a oportunidade. Para os próximos cinco anos, há metas bem traçadas: trabalhar o colesterol total, o índice de massa corporal ou a pressão arterial.

Também se prevê, nos próximos cinco anos, conseguir criar um ginásio para a população de Penela. Quem o aponta é Maria do Carmo Marques Pinto. “As milhas andadas por cada habitante vão dar direito a um título do tesouro na cooperativa que vai ser proprietária do ginásio. O aumento de milhas vai ser bom para o indivíduo e para todos, pois mais rapidamente se vai construir o ginásio”, revela.

Aproveitar os recursos existentes e torná-los visíveis

A intenção da Iniciativa para a Economia Cívica é trabalhar com o ecossistema já existente na comunidade. “No Fundão, querem atrair pessoas para o território. Como é que o podem fazer? As tecnologias da informação e comunicação (TIC) podem ser uma dessas mais-valias pois ali existe uma empresa de mecânica de alta precisão, a Universidade da Beira Interior (UBI) ou uma incubadora de empresas. Assim, as TIC podem ajudar a resolver tanto problemas sociais como potenciar a inovação na agricultura, exemplifica Maria do Carmo Marques Pinto, que acompanha todo o processo há um ano e meio.

Vasco Lino, administrador da UBI confirma. “Fazemos uma espécie de think tank para percebermos onde há necessidade de intervir de forma a ser útil para a sociedade”. Sendo uma das entidades da comunidade do Fundão, o objectivo da UBI é educar os empreendedores. “No fundo, é criar um know-how em TIC como alavanca, para que seja possível ter um ecossistema de investigadores”, acrescenta.

Em Vila Velha de Rodão, a alavanca são os produtos de referência: o azeite, o queijo, o presunto e o mel. O objectivo é globalizar o mercado desses recursos. Mas como? “A intenção é chamar os jovens, transmitir saberes e abrir perspectivas de vida”, afirma Luís Pereira, o presidente da câmara de Vila Velha de Rodão.

Já o presidente da Câmara da Lousã, Luís Antunes, fala de um turismo mais acessível no concelho. “O objectivo é criar condições para as pessoas com incapacidades possam ter também uma experiência”. Para isso, a missão é a capacitação dos vários agentes no concelho para que este nicho de mercado seja aproveitado.

O projecto de Idanha-a-Nova inclina-se para a produção de alta qualidade tendo em vista a alimentação saudável, que é fundamental para a promoção da qualidade de vida e que assenta em muitos dos produtos regionais, contribuindo assim para a sua divulgação, afirma o presidente da câmara Armindo Jacinto. Das iniciativas que existirão, destaca-se a criação de hortas de “qualidade” envolvendo toda a população, dos mais novos aos mais velhos, destaca o autarca. “As pessoas querem ser voz activa, ver e colher resultados”, salienta denominando a iniciativa como algo inovador em Portugal.

A ideia é dar voz a entidades locais

Na Iniciativa para a Economia Cívica cada uma das entidades tem direito a um voto nas decisões. Maria do Carmo Marques Pinto destaca que as entidades envolvidas estão enraizadas na sociedade local: “Estas instituições já têm uma linguagem que o cidadão percebe porque não há distância entre estas e a população”. A ideia é não concentrar tudo na câmara municipal. “O poder perverte a capacidade de intervenção. Por isso, é que a economia cívica é o lugar para a defesa do interesse geral.” Maria do Carmo sublinha a capacidade “fora do vulgar” dos sete presidentes de câmara envolvidos na iniciativa. “Colocaram-se ao mesmo nível e deixaram as pessoas falar e o que se decidiu é o que se faz”, revela. “Os municípios têm características diferentes, não é relevante ser de um partido ou de outro, não é isso que polariza. Há uma espécie de base comum”, faz questão de reforçar.

Para participar, não é necessário que o “líder” do projecto seja a câmara municipal. Em Miranda do Corvo, o líder local é a fundação ADFP (Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional). A questão que se coloca é: “Quem é que tem capacidade de mobilização?” Teresa Almeida, do Centro da Biomassa para a Energia, explica que a intenção em Miranda do Corvo é ligar o conhecimento dos mais velhos à potencialidade dos jovens criando-se um cadastro florestal, num projecto denominado Família Pública. Há muito desconhecimento sobre o terreno, o que inibe projectos de investimento, diz. Depois, o passo será estimular os proprietários para que invistam na floresta.

De facto, o próximo passo será a procura de co-financiamento. “O investimento pode ser de muitas maneiras, não é necessário ser financeiro”, afirma Maria do Carmo Marques Pinto, destacando que até agora o investimento foi apenas privado. Para tal, será realizada uma apresentação da iniciativa no dia 6 de Julho, no Museu do Oriente. Depois começa um período de cinco anos em que cada projecto terá de cumprir objectivos e todo o país está convocado para sugerir soluções. “Podem fazê-lo no nosso blogue, Facebook, e-mail, ou seja, por terra, mar e ar podem comunicar connosco. Nós o que queremos é pessoas que tenham vontade de fazer coisas”, indica Maria do Carmo. A ideia é que cada comunidade se aproprie do modelo de desenvolvimento económico e social. “O interior tem toda uma qualidade de vida, agora tem de se associar. Tem de vender o seu estilo de vida. Eles sabem fazer isso.” O que falta? “Apropriarem-se deste modelo de desenvolvimento económico e social” e “conseguir a mudança”, defende a presidente executiva da associação. 

Texto editado por Ana Fernandes

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