"Quem gosta de futebol está a desfrutar do que o Leicester City está a fazer”

Adam Sadler é analista táctico no clube que lidera a Liga inglesa e, embora passe a maior parte do tempo longe de Leicester, a observar os adversários, está a viver por dentro o trajecto da equipa comandada por Claudio Ranieri.

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Adam Sadler está em Portugal para frequentar uma pós-graduação sobre treino em futebol de alto rendimento na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa Miguel Manso

Passou pela formação do Newcastle e do Manchester United, mas a carreira de jogador foi curta e terminou logo quando tinha 20 anos. Adam Sadler diz ao PÚBLICO que estava no sítio certo à hora certa: começou a trabalhar na academia do Newcastle e fez um percurso como técnico que o levou até ao Leicester City, onde desde 2014 desempenha funções de analista táctico. Entre elogios a Claudio Ranieri e aos adeptos, admite que a cidade está a viver um sonho. Mas, mesmo de passagem por Portugal para frequentar uma pós-graduação sobre treino em futebol de alto rendimento na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, mantém os pés assentes na terra: “Estamos concentrados no Southampton, que é o próximo adversário.”

No que consiste, em concreto, o trabalho de um analista táctico?
O meu trabalho é assistir a jogos dos nossos adversários e compilar informação em vídeo: como jogam, quem são os principais jogadores, quais os pontos fortes e fracos, áreas que podemos explorar e áreas com que temos de ter cuidado. Tento simplificar a informação para que seja muito clara para o treinador e a sua equipa. O treinador é a referência, nós temos de aprender a ver o jogo pelos olhos dele e depois tentar reunir a informação mais relevante sobre o nosso adversário para ele preparar a equipa.

A observação de cada adversário decorre durante um período de tempo alargado?
Exactamente. Eu vejo sempre um jogo do adversário ao vivo, tentando que seja nas circunstâncias em que os vamos defrontar – se jogarmos em casa, tento vê-los a jogar fora – mas também temos imagens fornecidas pela Premier League, numa vista aérea do jogo, chamada o “ângulo táctico”. Usamos o material dos jogos ao vivo e os vídeos.

Como é a sua semana típica de trabalho?
A maior parte do meu tempo é passada longe de Leicester. Só estou lá na segunda-feira, para entregar ao treinador a informação sobre o adversário do fim-de-semana seguinte. Depois trabalho a partir de casa, começo a debruçar-me sobre o próximo adversário. Muito do trabalho durante a semana é feito ao computador, a fazer relatórios e a ver jogos. Depois, ao fim-de-semana, o mínimo é assistir a dois jogos, um no sábado e outro no domingo. Mas também podem ser três, se um adversário nosso jogar na segunda-feira à noite.

Como foi a adaptação aos métodos de Claudio Ranieri?
Eu já trabalhava no Leicester City antes de ele chegar. O Claudio é um treinador com muita experiência e que já teve muito sucesso na sua carreira. Nos primeiros dias sentámo-nos com ele, falámos sobre as ideias dele e começámos a reunir informação para nos ajudar no nosso trabalho. É uma pessoa muito aberta, muito calorosa, muito sociável. Temos uma boa ligação e isso torna o trabalho muito mais fácil.

Mas a chegada dele foi encarada com cepticismo.
Só fora do clube. Quando ele chegou estabeleceu imediatamente uma relação muito boa com os técnicos e pode ver-se o efeito que teve na equipa, particularmente nos jogadores. Aprendemos muito com o Claudio, ele deu-nos ideias novas para melhorarmos e a experiência tem sido fantástica.

O crescimento da equipa foi enorme. Há um ano, o Leicester City era último na classificação.
Sim, mas as pessoas esquecem-se que o Leicester City, na época passada, tinha acabado de ser promovido do Championship. É normal que exista um período de adaptação. Os jogadores estavam a aprender todos os dias. Acho que temos um óptimo grupo de jogadores, com uma ligação muito forte. O que está a acontecer faz parte do desenvolvimento deles enquanto grupo e tem sido fantástico.

Não seria de esperar um desenvolvimento mais gradual? Na primeira época estiveram “aflitos” e agora lutam pelo título.
Sim, é surpreendente. Quem gosta de futebol, não só em Inglaterra, está a desfrutar do que o Leicester City está a fazer esta época. Toda a gente está a desfrutar, mas ainda há um longo caminho a percorrer e jogos muito difíceis pela frente. Tem sido óptimo para os adeptos do Leicester City, isso é o mais importante nisto tudo. A cidade está a viver um sonho, oxalá possa continuar por mais algumas semanas.

Dá para sentir o entusiasmo entre os adeptos?
Sim, o ambiente no estádio tem sido incrível. É algo que existe há algum tempo, os adeptos são extraordinários. O clube é muito importante para as pessoas de Leicester, há um verdadeiro sentimento de familiaridade. Nos últimos seis ou sete anos têm sido dados passos importantes, os adeptos assistiram a isso tudo e respeitam o que o clube fez pela cidade.

Gostaria de vir a tornar-se treinador? O seu percurso tem algumas semelhanças com o de José Mourinho.
A história dele é inspiradora para qualquer jovem treinador, é um exemplo a seguir. A minha prioridade, neste momento, é o Leicester City. Adoro trabalhar no clube, é um sítio muito especial para estar neste momento. Mas claro que, no futuro, gostaria de voltar a trabalhar como treinador, se a oportunidade surgir.

A maioria dos treinadores na Premier League é estrangeira. Que impacto têm tido?
Tem sido bom para os treinadores jovens como eu poderem ver alguns dos melhores treinadores do mundo a trabalhar. O Mourinho, por exemplo, elevou o futebol a outro nível. Os treinadores estrangeiros têm tido um efeito positivo no futebol inglês, embora claro que fosse bom ver mais treinadores ingleses e britânicos a terem oportunidades. Há alguns casos, como o Eddie Howe, que está a fazer um trabalho incrível no Bournemouth.

E no próximo ano o Pep Guardiola vai estar na Premier League.
Acho que o Guardiola vai ser fantástico, é de prever que eleve o futebol inglês a outro nível. Para quem gosta de ver futebol, o Barcelona de Guardiola foi muito especial. Mudou a forma como pensamos sobre futebol. O Bayern dele é verdadeiramente entusiasmante pela inovação táctica. Estou muito expectante para vê-lo em Inglaterra e acho que a maioria dos adeptos também. Vai levar o Manchester City a outro nível, o que tornará o campeonato ainda mais duro. Vai ser muito interessante.

É natural de Newcastle e adepto do clube. Acha que vão conseguir evitar a descida de divisão?
Sim, acredito. Sou adepto do Newcastle mas não sei nada do que se passa dentro do clube. Falando puramente como adepto, estou a rezar para que o Newcastle consiga manter-se na Premier League. O Newcastle é a minha paixão no futebol. O Rafa Benítez é um dos melhores treinadores do futebol europeu e esta paragem pode ser benéfica, para ele trabalhar com os jogadores. Tenho a certeza que o Newcastle estará na Premier League na próxima época – essa é a minha esperança.

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