No ténis, a igualdade de género não chega aos cheques

A existência de prémios monetários iguais entre homens e mulheres é politicamente correcto, mas não é unânime.

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Djokovic comentou a controvérsia sobre os prémios diferentes entre homens e mulheres

Tudo estava a correr bem em Indian Wells: bom tempo, bom ténis e a já habitual excelente organização que leva jogadores e jogadoras a, repetidamente, elogiar os responsáveis deste evento dotado com 6,2 milhões de euros em prémios e que muitos comparam aos quatro mais importantes do mundo – ao ponto de o apelidar de “quinto” torneio do Grand Slam. Até que Raymond Moore, director do torneio californiano, resolveu proferir algumas declarações, politicamente incorrectas. Num encontro com jornalistas na manhã de domingo, dia das finais de singulares, Moore declarou que o ténis feminino vive à conta do ténis masculino.

“Na minha próxima vida, quando voltar, quero ser da WTA porque viajam à boleia dos homens. Não tomam decisões e têm sorte; muita, muita sorte. Se eu fosse jogadora, ajoelhava-me todas as noites e agradecia a Deus por Roger Federer e Rafa Nadal terem nascido, porque têm sido eles a dar visibilidade a este desporto”, afirmou o sul-africano de 69 anos, ex-tenista profissional (34.º mundial em 1976) e presidente da associação profissional de jogadores (ATP), entre 1983 e 1985. Moore ainda acrescentou que "a WTA tem uma mão cheia de tenistas fisicamente atraentes e competitivamente atraentes e progrediu bastante", apontando Garbiñe Muguruza e Eugenie Bouchard, qualquer uma delas com capacidade para "assumir a liderança uma vez Serena termine a carreira”. Só que a polémica já estava lançada e de nada valeu um pedido de desculpas de Moore, emitido mais tarde, tentando estancar a controvérsia.

Billie Jean King, uma das grandes responsáveis pela criação da WTA (Womens Tennis Association) e de um circuito profissional próprio para senhoras, reagiu logo no Twitter: “Ele está errado a vários níveis. Cada jogador, especialmente os do topo, contribuem para o nosso sucesso.”

A líder do ranking, Serena Williams, foi mais assertiva. “Obviamente que não penso que alguma mulher deva ajoelhar-se a agradecer assim seja a quem for. Se eu pudesse contar quantas pessoas me dizem, diariamente, que não vê ténis a não ser que seja eu ou a minha irmã a jogar… Acho que esses comentários foram muito errados e muito, muito imprecisos”, disse logo após perder a final do BNP Paribas Open para Victoria Azarenka. A norte-americana de 34 anos, que se tornou profissional em 1995, recordou ainda o último Open dos EUA, onde poderia ter conseguido o Grand Slam (vencer os quatro grandes torneios no mesmo ano). “No ano passado, a final feminina esgotou bem antes da de homens. O Roger ou o Rafa ou outro homem jogaram? Penso que não. Para se fazer um comentário, é necessário saber história, ter factos e saber coisas. Basta olhar para a Billie Jean King que abriu tantas portas, não só para as jogadoras de ténis mas para as atletas em geral. É um desrespeito para ela e para todas as mulheres neste planeta que alguma vez tentaram lutar por aquilo em que acreditam e têm orgulho em serem mulheres”, concluiu Serena.

Na conferência de imprensa após a conquista do título em Indian Wells, Novak Djokovic também foi convidado a comentar as declarações de Moore e admitiu que não eram “politicamente correctas” e que este era um “assunto delicado”, mas… os tenistas homens deviam ganhar mais dinheiro do que as mulheres.

"Compreendo o poder e energia que a WTA e todos os que advogam prémios iguais investiram para alcançar isso. Aplaudo-os por isso, honestamente; lutaram por aquilo que mereciam e conseguiram-no. Por outro lado, penso que o nosso mundo do ténis, o mundo ATP, devia lutar por mais, porque as estatísticas mostram que temos mais espectadores nos encontros masculinos", frisou Djokovic.

As estatísticas a que o sérvio se refere dizem respeito às audiências televisivas do ATP World Tour, que englobam todos os torneios masculinos, com excepção dos quatro torneios do Grand Slam. Segundo os números oficiais, o ténis masculino teve 973 milhões de telespectadores em 2015, contra 395 milhões que assistiram aos torneios do WTA Tour. Mesmo a final do último Open dos EUA masculina teve mais do dobro de telespectadores (3,3 milhões) do que a feminina (1,6), que, contudo, esgotou os bilhetes dias antes.

Outro facto, é que, comparando torneios exclusivamente masculinos e femininos da mesma categoria, o ATP World Tour consegue patrocínios para oferecer quase o dobro do prémio monetário. Só nos Grand Slams e nos torneios combinados, como de Indian Wells, é que os prémios são iguais. E mesmo aí, como Djokovic realçou, os homens jogam à melhor de cinco sets, enquanto as mulheres disputam, no máximo, três.

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