Por que não há mais mulheres nos conselhos de administração?

Anos passados, a mesma pergunta: onde paira a Proposta de Diretiva para promover a representação equilibrada de mulheres e homens nos conselhos de administração?

Em novembro de 2014 trouxe a este jornal a mesma pergunta. Onde paira a Proposta de Diretiva? Em novembro de 2012, Viviane Reding, anterior vice-presidente da Comissão Europeia e comissária para a área da Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania, apresentou uma Proposta de Diretiva destinada a promover uma representação mais equilibrada de mulheres e homens nos conselhos de administração (CA) das empresas. Na verdade, a Proposta não refletia nada de extraordinário. Vejamos: (1) estabelecia um objetivo mínimo de 40%, a atingir até 2020, de presença do sexo menos representado no conjunto de administradores/as não-executivos/as das empresas cotadas em bolsa (excluía as PME); (2) clarificava que a mesma representação mínima se aplicaria às empresas públicas, mas, neste caso, devendo concretizar-se até 2018; (3) pressupunha o recurso a uma “quota processual”, i.e. a seleção de candidatas/os para os cargos de administração das empresas deveria ser transparente e equitativa, com base em critérios pré-estabelecidos objetivos, claros e inequívocos, e, em caso de igualdade de critérios, deveria ser contratado o sexo menos representado; (4) previa a possibilidade de justificação do incumprimento do objetivo quando os membros do sexo sub-representado constituíssem menos de 10% do pessoal efetivo; (5) considerava a possibilidade de uma “meta flexível” para os/as administradores/as executivos/as das empresas cotadas, cabendo às empresas a fixação de objetivos e a adoção de medidas de autorregulação para alcançar uma composição mais equilibrada de homens e mulheres nos seus CA, até 2020 (ou 2018 no caso das empresas públicas); (6) determinava que as empresas apresentassem relatórios de progresso anuais; (7) remetia para os Estados-Membros a definição do enquadramento normativo (medidas legislativas ou outras) que permitisse alcançar o objetivo de representação acima mencionado, assim como a introdução de procedimentos sancionatórios (adequados e dissuasivos) em caso de não cumprimento; (8) e clarificava que a medida era temporária e cessaria em 2028.

Nunca é de mais recordar que o Parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE), de caráter obrigatório, saudou o documento, embora manifestando preferência por incentivos à autorregulação. Na mesma altura, o Parecer do Comité das Regiões, de natureza facultativa, exprimiu-se a favor de um quadro regulamentar e sancionatório comum na União Europeia. Note-se que a Proposta colheu o apoio totalmente favorável da Comissão dos Direitos da Mulher e Igualdade de Género (FEMM) e da Comissão dos Assuntos Jurídicos (JURI), tendo depois reunido uma votação maioritariamente concordante em sede da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais, do Parlamento Europeu. Tudo isto sucedeu em 2013. O relatório sobre a Proposta foi adotado pelo P.E. em novembro desse mesmo ano. O Documento foi então revisto em alguns considerandos e outros novos foram propostos, nomeadamente em torno da aplicação do princípio do equilíbrio entre mulheres e homens nos lugares de decisão das instâncias europeias, da não dispensa de cumprimento da Diretiva por parte das empresas onde os elementos do sexo menos representado constituíssem menos de 10% das pessoas efetivas, e da introdução de sanções obrigatórias e não meramente indicativas.

A Proposta de Diretiva encontra-se num impasse há mais de dois anos. O consenso em sede do Conselho Europeu afigura-se difícil. Quando aqui trouxe o assunto, referi tratar-se de um intervalo incompreensivelmente longo e de um silêncio igualmente inquietante. E que o progresso não era compatível com a letargia da decisão política. Sabemos que, de acordo com os últimos dados disponíveis (outubro de 2015), as mulheres totalizam 23% (valor médio) do total de membros dos conselhos administração das maiores empresas cotadas em bolsa da UE28, embora em dez países a sua representação seja inferior a 15%. É neste grupo que Portugal se inclui (13%). As mulheres, que afinal contabilizam 59% do total de pessoas diplomadas com um curso superior (Licenciatura – 1.º Ciclo), 59% das que concluem um mestrado (média dos valores referentes a mestrado e mestrado integrado) e 55% das que concluem um doutoramento, não têm, por cá, voz nas decisões estratégicas de parte muito relevante do universo empresarial.

De momento, verifica-se uma total ausência de uniformização no quadro da União Europeia: há países que não têm em curso qualquer medida de regulação; outros ficam-se por medidas de sensibilização (atribuição de prémios, menções e certificados a empresas com boas práticas na área da igualdade entre mulheres e homens); outros avançaram com medidas de regulação soft (incentivos às empresas para assinarem cartas de compromisso e subscreverem códigos de conduta empresarial, além de recomendações no sentido da autorregulação), e outros já adotaram medidas vinculativas para acelerar a aproximação a um cenário de paridade (embora, neste caso, também os enquadramentos sejam muito variáveis em termos da previsão de sanções por incumprimento, do estabelecimento de metas quantitativas, do estatuto das empresas visadas, e das posições e lugares de administração contemplados…). É verdade que tem sido neste subconjunto de países que os números mais têm progredido. Por cá, parece estar previsto um percurso idêntico muito em breve. Tenho esperança num alinhamento com os enquadramentos mais progressistas. Seria o rumo socialmente mais justo e adequado aos desafios do presente. Na União Europeia, a prioridade das lideranças políticas à igualdade entre mulheres e homens parece conhecer um eco fúnebre. Basta recordar, aliás, as reservas recentes de muitos/as quanto à adoção de uma nova Estratégia Europeia para a Igualdade entre Mulheres e Homens. O percurso da Proposta de Diretiva era, afinal, apenas um dos seus prenúncios. O Dia Internacional das Mulheres convoca-nos, também, para um exercício de vigilância ativa. E, felizmente, neste domínio, somos cada vez mais.

Professora e investigadora do ISEG, Universidade de Lisboa

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