Há leis para combater a corrupção com buracos negros

Alteração legislativa destinada a responsabilizar empresas públicas e concessionárias em matéria criminal é de tal modo ambígua que poderá não conseguir cumprir objectivo.

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Algumas das mais recentes alterações em matéria de combate à corrupção não vieram resolver os “buracos negros de impunidade” da legislação que regula a responsabilidade criminal das pessoas colectivas, como é o caso das empresas públicas. Quem o diz é o professor de Direito da Universidade do Minho Mário Monte, um dos oradores do encontro que teve lugar na sede da Judiciária.

Polémico, o tema tem feito correr tinta entre juristas: é justo que a mesma lei que desresponsabiliza o Estado em matéria criminal desresponsabilize também as empresas públicas e ainda as concessionárias de serviços públicos – quando este tipo de organizações não estão de todo imunes à participação em negócios potencialmente ilícitos?

 “É contraditório e irrazoável”, observa Mário Monte, que em defesa desta sua tese explica como alguns dos crimes que não podem ser imputados ao Estado nem às pessoas colectivas de direito público apenas são passíveis de serem praticados por funcionários públicos. Se esses funcionários forem identificados individualmente como autores de determinada operação de branqueamento de capitais ou de tráfico de influências, por exemplo, serão punidos. Mas se o não forem, as empresas para as quais trabalham – sejam pessoas colectivas de direito público ou concessionárias de serviços públicos  – não poderão ser sujeitas qualquer penalização.

Uma tese de mestrado apresentada em 2014 na Universidade Católica do Porto e orientada por um especialista em crimes cometidos no exercício de funções públicas, Damião da Cunha, explica a forma como empresas como a Brisa ou a Fertagus deixam, a partir do momento em que se tornam concessionárias de serviços públicos, de  responder criminalmente por qualquer ilícito que cometam no âmbito do objecto da concessão, “mas também, e paradoxalmente, no âmbito de qualquer ilícito criminal, ainda que esteja fora do objecto da concessão”.

A atribuição deste privilégio a entidades integradas na lógica concorrencial de mercado chamou a atenção do Grupo de Estados Contra a Corrupção e da OCDE, tendo Portugal tentado resolver a questão em Abril passado. O problema, explica o docente universitário, é que a nova lei feita para solucionar o problema expressa-se com tal ambiguidade  – usando os chamados conceitos jurídicos indeterminados – que é provável que as concessionárias possam continuar a eximir-se às suas responsabilidades penais.

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