Cancro digestivo e prevenção

O cancro digestivo é um triste e muitas vezes fatídico epílogo, evitável em muitos casos.

Quando se fala de cancro digestivo está-se a fazer uma referência implícita a um conjunto de tumores malignos que interferem fortemente com a qualidade de vida dos cidadãos e que têm uma elevada taxa de mortalidade.

Isto apesar da evolução comprovada da medicina moderna, nomeadamente no campo terapêutico. Este campo inclui a cirurgia e vários tratamentos não cirúrgicos, entre os quais se destacam mais frequentemente a quimioterapia e a radioterapia. 

O cancro digestivo inclui uma série de tumores entre os quais são de realçar, pela sua frequência, os tumores do intestino (cólon e recto), estômago, fígado, pâncreas e ainda do esófago, entre os mais frequentes. Todos eles com mau prognóstico. Com possibilidade de serem evitados em alguns casos, ou de serem diagnosticados precocemente noutros. Ou ainda poderem ser reduzidas as probabilidades do seu aparecimento através de práticas salutares do quotidiano.

Dados oficiais em Portugal apontam para números impressionantes de mortalidade. Em 2013 morreram cerca de 4000 pessoas com tumores do intestino, 2300 com cancro do estômago, 1400 com cancro do pâncreas, 1000 com tumores do fígado, representando quatro das sete maiores causas de mortalidade por cancro. Apesar, repete-se, de todos os meios sofisticados de tratamento disponíveis na medicina moderna. Números que dão que pensar e que suscitam desde logo uma questão essencial: como evitá-lo, ou no mínimo como melhorar este panorama assustador responsável por tão elevada percentagem de mortalidade da população? A resposta encontra-se em várias vertentes. Antes de mais uma educação cívica e alimentar actuantes, inseridas no ensino dos jovens, uma vez que alguns factores de risco são comuns a todas estas terríveis doenças e devem por isso ser combatidos e evitados. Estamos a falar do tabagismo, do excesso de peso, da falta de exercício físico, do excesso de consumo de álcool e sal. Elementos muito perniciosos, inimigos da saúde das populações e que através de uma sensibilização eficaz dos jovens com ponto de partida nas próprias escolas, devem ser combatidos. A chamada prevenção primária. Depois, a sensibilização dos médicos de medicina geral e familiar para os rastreios atempados e adequados: a colonoscopia a partir dos 50 anos nos cidadãos sem risco familiar aumentado (no caso dos tumores do colon), a erradicação do Helicobacter Pylori em indivíduos de risco (no caso do cancro do estômago), a vigilância ecográfica regular nos doentes com hepatites víricas ou doença hepática alcoólica (no caso do cancro do fígado). Alguns destes tumores são mesmo evitáveis, como acontece no cancro do intestino em que em 95% dos casos a lesão maligna é precedida por uma lesão benigna (pólipo), facilmente retirado no decorrer da colonoscopia, originando a cura e impedindo assim o aparecimento do cancro. Verifica-se que este cancro continua a aumentar nos últimos anos, o que prova que os meios de prevenção não estão a ser completa e eficazmente aplicados. Mesmo em situações em que o cancro digestivo não seja completamente evitável, o seu diagnóstico precoce traduz-se num prognóstico infinitamente melhor, em muitos casos com cura após os necessários tratamentos. O que não acontece quando o diagnóstico é tardio.

O médico gastrenterologista, enquanto especialista das doenças do tubo digestivo, fígado e pâncreas, tem um papel fundamental no âmbito do cancro digestivo. Não só no diagnóstico atempado, seja clínico, seja na realização dos necessários exames endoscópicos, bem como de outros exames complementares julgados necessários. Mas também em fases mais avançadas relacionadas com o tratamento da doença instalada, seja na participação especializada em consultas multidisciplinares de grupo oncológicas, mas também na participação activa nos cuidados paliativos de forma a proporcionar a melhor qualidade de vida ao doente afectado.

Em suma, o cancro digestivo é pois um triste e muitas vezes fatídico epílogo, evitável em muitos casos, caso haja um empenho e atenção de todas as partes envolvidas, isto é, cidadãos, médicos, entidades oficiais e associações cívicas. Em nome da saúde e bem-estar dos cidadãos, deverá ser um objectivo nacional.

Presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

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