Governo madeirense tem tentado controlar os municípios através dos investimentos

Presidente da Câmara do Funchal defende a valorização das edilidades no contexto europeu. Paulo Cafôfo quer em 2020 tornar a capital madeirense na melhor cidade do país para viver.

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Paulo Cafôfo com António José Seguro durante a sua tomada de posse como presidente da câmara do Funchal

Chegou à presidência da Câmara Municipal do Funchal (CMF) numa coligação de seis partidos – entretanto reduzida a cinco, depois do PND saír –, conquistando uma autarquia que desde 1976 era laranja. Paulo Cafôfo não se assume como político – “sou professor de carreira, e quero voltar para a minha profissão” –, mas foi um dos protagonistas da ‘revolução’ ocorrida em 2013 no mapa político madeirense que levou à saída de Alberto João Jardim e a consequente renovação do PSD-Madeira. Critica que o Governo Regional queira controlar os municípios através dos investimentos.

Quase dois anos depois, Cafôfo desenha, ao PÚBLICO, um “balanço positivo” da governação, ao mesmo tempo que lamenta a forma como os municípios são tratados pelos governos e mesmo por Bruxelas. “A municipalidade dentro da União Europeia é completamente esquecida”, critica o autarca, que assumiu até Julho último a presidência da Confederação de Municípios Ultraperiféricos (CMU), constituída pelas associações de municípios da Madeira (11 municípios), Açores (19), Guiana (22), Martinica (34), Guadalupe e Canárias (87). Durante essa presidência rotativa, procurou “vincar” a importância dos municípios dentro do projecto europeu. Ideia que, disse, conseguiu levar à Comissão Europeia.

“São os municípios que melhor conhecem a realidade das populações, são os municípios que estão mais próximos dos cidadãos”, lembra, realçando o papel do poder local até para a própria sobrevivência de Bruxelas. Porque, defende, numa altura em que tanto se fala do distanciamento das pessoas em relação à Europa, a melhor forma de inverter esse sentimento é valorizar os municípios: “É urgente fazer com que os municípios sejam parte integrante das políticas da Europa, que todos nós desejamos que seja coesa.”

Essa urgência e integração passam pela forma como os fundos comunitários são canalizados. Muitas vezes, lamenta o presidente da CMF, os fundos não chegam aos municípios, principalmente quando se trata de autarquias de regiões ultraperiféricas, onde existe um governo intermédio. Na Madeira, por exemplo, é o Governo que gere as verbas comunitárias. “É árbitro e jogador, no mesmo jogo”, ironiza apontando também o dedo para o executivo de Passos Coelho, a quem acusa de tentar priorizar o destino das verbas comunitárias que são canalizadas para as autarquias.

“É um abuso, uma inversão de papéis em relação às políticas que vinham sendo seguidas nos últimos anos”, diz Cafôfo, na mesa de reuniões do gabinete da presidência da autarquia funchalense. Foi naquela sala que começou a desenhar-se a cidade defendida pela coligação Mudança, que reunia cores tão antagónicas como o sóbrio PS e o excêntrico PTP de José Manuel Coelho. A tradicional postura anti poder do Bloco de Esquerda lado-a-lado com o MPT, constituído na Madeira por dissidentes socialistas. Os irreverentes do PND, que entretanto saíram com estrondo em colisão com Cafôfo e com o PS, a quem acusam de controlar a gestão camarária, juntamente com o discreto PAN (Pessoas-Animais-Natureza).

O autarca admite estes problemas, considerando-os naturais no contexto de uma coligação tão alargada e diversificada. “É perfeitamente normal acontecerem rupturas dentro dos partidos, quanto mais numa coligação de seis partidos”, justifica, negando qualquer “ingerência” ou mesmo tentativa de intromissão da parte do PS na governação da cidade. “Nunca o admitiria, nem do PS nem de qualquer outro partido da coligação”, garante, sublinhando que o problema - saída do vereador Gil Canha do PND e consequente perda de apoio do partido - foi ultrapassado. “A governação nunca foi afectada, e isso é o mais importante”, realça. Destaca que a resistência de sectores da cidade, como os comerciantes e os empresários de restauração, face a algumas das políticas seguidas, se explica pela natural desconfiança em relação à mudança.

Mais importante para Cafôfo, é o “exemplo para o país” da coligação Mudança. Um exemplo de cidadania, uma “inovação a nível nacional”, já que ninguém na vereação tem filiação partidária. O próprio Cafôfo, embora ligado ao PS através da integração num grupo de trabalho, é independente e assim deverá continuar.

“Sou professor, não político de carreira”, insiste. Foi nessa qualidade, da de professor, que despertou a atenção dos socialistas, quando em 2011 se demitiu  de vice-coordenador do Sindicato dos Professores da Madeira , em protesto contra a presença de Alberto João Jardim na cerimónia de inauguração da nova sede sindical. Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, esteve presente na inauguração que coincidiu com a campanha eleitoral para as regionais desse ano. Cafôfo e outros professores ficaram à porta.

Acabou por entrar no ‘Laboratório de Ideias’ do PS-Madeira, um grupo de trabalho composto por independentes, com o objectivo de contribuir para um programa de governo dos socialistas. Não foi tão longe, mas a notoriedade que conseguiu aliada à postura descontraída – não faltam na Madeira as comparações com Yanis Varoufakis pela estatura física e vestuário desportivo, onde não faltam os jeans e sobram as gravatas – foram suficientes para derrotar o candidato do PSD, Bruno Pereira, ex-director regional do Turismo e depois vice de Albuquerque na Câmara.

“A verdadeira alteração política na Madeira não aconteceu nas eleições regionais, mas sim nas autárquicas onde o PSD perdeu sete câmaras municipais”, salienta. Uma alteração num universo de 11 municípios, que antes falavam a uma só voz, a de Jardim, e agora tem diferentes sensibilidades políticas.

Na Associação de Municípios madeirenses (AMRAM) sentam-se CDS, PSD, PS, JPP [Juntos pelo Povo] e duas coligações partidárias. A diversidade, defende Cafôfo, que preside à AMRAM, é benéfica para a democracia, e tem existido na associação uma postura de responsabilidade, ao contrário do que acontecia no passado. “As autarquias são agora as entidades mais controladas, mais fiscalizadas do país, o que por vezes constrange a gestão diária”, argumenta o professor de História, que olha para a associação de municípios como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento do arquipélago.

“A seguir ao Governo regional, é a Associação que consegue abarcar toda a região, e fruto de uma grande articulação entre todos os meus colegas temos conseguido colocar os interesses das populações acima das agendas partidárias”, garante, sublinhando que nada tem contra os partidos.

 “Mas existem momentos em que os partidos devem dar um passo atrás, para que a cidadania dê um passo em frente”, ressalva o autarca, exemplificando com o que aconteceu em 2013 no Funchal.

Agora, o limite é 2020, ou melhor, 2021, ano em que termina´o segundo mandato da Mudança, “se a população assim o desejar”. Só depois Paulo Cafôfo regressa às suas aulas na escola. “O nosso objectivo sempre foi dois mandatos, já que um é pouco para implementar as mudanças que queremos”, esclarece, apontando como meta ‘Funchal 2020’, um projecto que visa tornar a capital madeirense na melhor cidade do país para se viver. Como? Assegurando qualidade de vida, não esquecendo as preocupações sociais e a promoção de oportunidades.

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