Igualdade de género no mercado de trabalho
No mercado laboral, a desigualdade de género atravessa todas as fases da vida do contrato de trabalho, desde o recrutamento, à progressão na carreira, à remuneração e à cessação da relação laboral.
Vinte anos volvidos desde a Plataforma de Pequim, a igualdade de género mantém actualidade. Sob a aparência de que já muito se fez, a discriminação persiste em planos diversos. Que há muito ainda por fazer resulta evidente se analisarmos o relatório sobre a estratégia da UE para a igualdade entre homens e mulheres pós-2015 (Maio de 2015) e as propostas ali incluídas.
No mercado laboral, a desigualdade de género atravessa todas as fases da vida do contrato de trabalho, desde o recrutamento, à progressão na carreira, à remuneração e à cessação da relação laboral. Quanto a cada uma de tais fases, existem já diversos instrumentos jurídicos — ainda que não tão divulgados quanto desejável — que procuram anular práticas desadequadas.
No entanto, havendo que eleger apenas uma medida para o combate eficaz à desigualdade de género, a prioridade recairia sobre instrumentos que promovam uma redistribuição efectiva, entre homens e mulheres, dos tempos afectos à gestão familiar e doméstica. Este, aliás, o alerta do relatório da OCDE de Dezembro de 2014 Unpaid Care Work: The missing link in the analysis of gender gaps in labour outcomes. A razão é simples: estatisticamente as mulheres tendem a assumir maioritariamente essa tarefa de apoio aos filhos e aos idosos. Culturalmente, este papel de apoio e cuidado é interiorizado e perpetuado como uma incumbência sobretudo feminina. Num país em que os agregados familiares tendem a não prescindir do rendimento de ambos, este encargo cifra-se em muitas horas meticulosamente geridas, de forma a não prejudicar a disponibilidade e o desempenho profissional das mulheres.
Assistimos, em paralelo, ao imprescindível reforço de medidas de tutela da parentalidade. Sucede que o exercício de tais direitos reflecte-se, por vezes, em ausências prolongadas ao trabalho. O que não representaria qualquer inconveniente se não fossem preponderantemente assumidas por mulheres — subsistindo, por isso, as interrogações, ainda que não verbalizadas, quanto ao planeamento familiar futuro das candidatas em processos de recrutamento. A selecção é prejudicada porque se associa o género feminino a ausências prováveis e mais ou menos extensas ao trabalho. O que fazer? Promover o recurso a instrumentos jurídicos que invertam esta tendência, incentivando os homens a optar por esquemas laborais mais flexíveis — seja incentivando o teletrabalho ou o trabalho a tempo parcial entre o género masculino — ou, conforme medida que exigiria alteração legislativa, a previsão de uma repartição mais equitativa das licenças por parentalidade.
Só a normalização de uma tal repartição permite neutralizar diferenças indesejadas e combater preconceitos enraizados: para além das ausências inerentes à gestação e à recuperação após o nascimento, salvo desvios pontuais, a divisão dos encargos familiares deveria ser o mais igualitária possível. Esbatida a diferença que desencadeia o preconceito, a igualdade de género superaria um enorme obstáculo à plena efectivação.
Porque vale a pena apostar numa sociedade em que a igualdade de género é uma constatação e não um objectivo? Porque sim, sem mais justificações. Se ainda assim não for evidente, dir-se-á que uma política de igualdade de género é uma boa decisão de gestão: afastar um género de determinadas profissões é uma escolha que desperdiça investimento e talento — é uma má decisão porque exclui independentemente do mérito. Mas também porque as mulheres são consumidoras e, nessa medida, é eficiente dispor de uma amostra diversificada nas empresas. Ainda porque é a decisão mais racional: os países com melhores resultados no plano da igualdade de género têm índices de produtividade mais elevados. E porque sem igualdade de género, as mulheres tendem a sacrificar a realização pessoal à realização profissional: por conseguinte, sem igualdade de género não se resolve eficazmente o problema da natalidade e da sustentabilidade da Segurança Social. Por fim, porque só por esta forma se cria um círculo virtuoso: homens e mulheres empenhados e comprometidos social e profissionalmente são responsáveis pela educação de gerações mais inclusivas e tolerantes.
Advogada na Sérvulo & Associados