Plano de demolições da ria Formosa “navega” à vista, sem contestação dos autarcas

As casas clandestinas estão a ser derrubadas, mas nem todos os casos dos pescadores foram acautelados. A Câmara de Olhão manifesta-se impotente para resolver o problema.

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Rui Gaudêncio

As demolições na ria Formosa são para continuar. O camartelo começou esta semana no ilhote do Coco, frente a Olhão, para a semana prossegue no ilhote São Lourenço. Ao longo de 2015 está previsto o derrube de mais de 800 habitações clandestinas, incluindo uma parte da ilha de Faro. As vozes dos autarcas que se opunham à operação - ao contrário do que se verificou noutras tentativas, que saíram goradas - ficaram no silêncio.

“Estou quase a ir para a rua, não me diz nada?”, pergunta Carlos Fernandes ao presidente da Câmara de Olhão, António Pina, procurando quebrar a tranquilidade com que o assunto está a ser encarado pelo município. A abordagem é feita na rua, em tom informal, quando o autarca prestava declarações ao PÚBLICO.

Desde 1998, ano em que o Parque Natural da Ria Formosa fez o levantamento das casas de veraneio, que estava previsto que mais tarde ou mais cedo haveria demolições. Porém, o plano só agora está a ser executado. António Pina, agora interpelado pelo PÚBLICO, critica: “O Ministério do Ambiente e a Sociedade Polis só se preocuparam em jogar casas abaixo”. Carlos Fernandes, por seu lado, não perdoou a crítica: “Não nos ligam nenhuma, falam connosco nas alturas das eleições, depois viram-nos as costas”. Sem perder a oportunidade, pergunta ao jovem autarca, socialista, se o pode receber nos próximos dias, dado encontrar-se numa situação de emergência. “Para a próxima semana”, respondeu Pina.

António Terramoto, do movimento cívico “Somos Olhão”, denuncia: “Estão a empurrar os pescadores para as periferias, em nome da defesa do ambiente, para oferecer a frente de mar aos turistas – nada me espantaria que aparecesse, daqui por algum tempo, uma proposta de construção de um eco-resort numa ilha”.

Cláudia Fernandes, de 29 anos, vive no ilhote do Coco desde que nasceu. Há 13 anos, o marido comprou, por 4 mil euros, uma barraca que diz ter passado a ser a única habitação do casal, com duas crianças. O seu caso não foi considerado prioritário pela Sociedade Polis da Ria Formosa, a entidade que assumiu a responsabilidade de executar o plano das demolições. Como os ilhotes não têm código postal, conta Carlos Fernandes, “para tirar o número de contribuinte, dei a morada da bisavô da minha mulher, em Olhão, e assim perdi o direito ao realojamento”. De um conjunto de mais de uma dezena de barracas existentes na zona, acrescenta, “só se salvam três – pertencem ao João Cabeça, Peixe Rei e Meca [alcunhas]”.

António Pina entende, também, que a “realidade social é muito diferente daquela que foi apresentada pela Polis, que considerou apenas oito ou nove casas como sendo primeira habitação”. A verdade, porém, é que nos últimos anos “muitas outras casas foram ocupadas por famílias que não tinham outra alternativa habitacional”. Carlos Fernandes teve uma empresa de pintura de construção civil. Por dificuldade na cobrança dos trabalhos que executou, diz, foi à falência e teve de voltar a ser pescador - "a ria é uma bóia de salvação para quem fica no desemprego”.

Ainda no concelho de Olhão, a barra da Fuzeta, com a maré baixa, já não permite a navegabilidade. No dia 20 de Janeiro, a comunidade piscatória recebe a visita de uma delegação da comissão parlamentar ligada aos assuntos do mar. Há três anos, foram investidos mais de um milhão de euros a abrir e fechar barras, mas a natureza trocou as voltas à engenharia e o assoreamento voltou em força.   


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