Moradores do Rainha Dona Leonor satisfeitos por poderem ficar no bairro

Programa de concurso prevê a possibilidade de se construírem até 74 fogos de habitação social. Concorrente que propuser mais casas, tem mais pontuação.

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Adriano Miranda

O bairro está posto em sossego. Não há grupos de vizinhos à porta, a comentar as novidades, nem cabeças a assomar às janelas, a ver quem passa na rua. Se calhar porque a rua também é sossegada e não há assim tanto para ver. No Bairro Rainha Dona Leonor, no Porto, o dia só não é igual aos outros porque, na tarde de anteontem, chegaram as novidades: as casas vão abaixo e outras novas irão aparecer no seu lugar, para alojar todos os que ainda ali moram. Na quinta-feira ouviram que ninguém terá de deixar o bairro e isso foi o que mais gostaram de ouvir.

Maria Augusta Abreu, 66 anos, desce as escadas do bloco C agarrada ao telemóvel. Vai encontrar-se com uma amiga, pintou os lábios de vermelho e usa brincos compridos. Na quinta-feira, ouviu o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, explicar o que propõe para o bairro. Saiu satisfeita. “Ele disse que o bairro vai abaixo e que quem comprou o terreno vai fazer casas novas para a gente. O resto fica para fazerem outras casas para vender”, explica. Maria troca os tempos (ainda irá haver um concurso público internacional para encontrar interessados na operação), mas captou o essencial. Só ficou com uma dúvida. “Não quis perguntar, sabe? Não percebi para onde vamos enquanto constroem as casas novas”.

O que diz a proposta que deverá ser aprovada na reunião de câmara da próxima terça-feira é que o vencedor do concurso público terá de fazer o loteamento do terreno, entregar um dos lotes à câmara, com pelo menos 58 casas construídas naquele que será o Bairro Novo da Rainha Dona Leonor, e usar o resto do terreno para construir o que quiser, desde que cumpra as regras do Plano Director Municipal (PDM).

Será este parceiro privado que terá também de apresentar um plano de realojamento temporário das 56 famílias do bairro, mas a câmara disponibiliza as muitas casas devolutas do aglomerado para que os moradores ali possam permanecer, deslocando-se apenas de um bloco para o outro, enquanto decorrem os trabalhos. “Ah, bem me parecia que era isso, mas não quis perguntar. A minha maior ansiedade é que tivesse de sair daqui”, desabafa Maria Augusta.

Minutos depois de Maria Augusta partir, Paula Pinto, 47 anos, chega a casa. Também foi ouvir as novidades sobre o bairro — diz, como outros moradores, que as 56 famílias estiveram representadas na reunião com o presidente — e também saiu satisfeita. “É o certo, já devia era ter sido há mais tempo. Mas, agora, temos de ter paciência, porque isto ainda vai demorar. O mais importante é não sairmos daqui”, diz.

Paula adianta que é “recente” no bairro, só ali mora há doze anos, mas o companheiro é que já lá nasceu, há 50, e a ele, sim, é que custava a ideia de ter de partir. “Se cumprirem aquilo que disseram, vai ser bom, e acho que sim, que vão cumprir”, diz.

Com 87 anos, Acácia de Jesus não foi à reunião, porque as pernas não ajudam, mas a filha trouxe-lhe as notícias. “A minha filha adorou, veio satisfeita”, diz, sentada no sofá de casa, enquanto vai deitando o olho a um programa da televisão “Há tanto tempo que se fala de tanta coisa... Que ia abaixo, que ia ser arranjado. Agora, entendo que sim, mas já não vai ser para mim”, diz.

Junto ao campo de jogos do bairro, Fábio Dias, 20 anos, admite que não foi à reunião, mas ouviu o que disseram depois os que lá estiveram. “Dizem que os terrenos dos blocos D e E [os mais próximos do rio] serão para quem ganhar o concurso e que o bairro social vai ficar mais cá para cima. Não me admira, com uma vista destas”, diz. 

A solução encontrada pela autarquia para a regeneração dos cinco blocos do Bairro Rainha Dona Leonor foi apresentada na tarde de quinta-feira, pelo vereador da Habitação, Manuel Pizarro, e pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira. Todo o custo da operação, avaliada em cerca de 3,5 milhões de euros, ficará nas mãos do privado que vencer o concurso e que será compensado com capacidade construtiva em parte do terreno onde hoje está implantado o bairro com cerca de 60 anos.

Os documentos que acompanham a proposta da abertura do concurso público, a que o PÚBLICO teve acesso, pormenorizam a operação. Explica-se, por exemplo, que “a cércea corrente nos edifícios de habitação a custos controlados é de 4 pisos (r/c + 3)” e que o número mínimo de fogos exigidos para o novo bairro social é de 58, com 56 deles a terem de obedecer a tipologias já definidas, por se acomodarem aos actuais residentes — 19 T1, 25 T2, 9 T3 e 3 T4.

Quem apresentar uma proposta apenas com 58 fogos será, contudo, penalizado na avaliação da proposta, uma vez que o número de fogos a construir é um dos critérios a ter em conta e que a pontuação máxima será para quem propuser a construção de “entre 70 a 74 fogos”. Além do número de fogos propostos (com um peso de 15% na pontuação final), os outros factores de avaliação são a qualidade técnica da proposta (45%), a eficiência energética (15%), o número de equipamentos de uso colectivo (10%) e o prazo de execução da operação (15%). Tal como nos fogos, a proposta que apresentar o maior número de equipamentos colectivos (4), terá mais pontuação.

 A proposta para o Bairro Novo da Rainha Dona Leonor está interligada com uma outa, que também deverá ser votada na próxima reunião do executivo, e que prevê a alteração do PDM, no ponto em que estabelece que as operações de reabilitação urbana no centro da cidade permitem uma majoração do coeficiente do índice de construção de 0,8 para 1. A câmara pretende que esta majoração seja estendida a quem regenerar os bairros sociais, desde que “se verifique a manutenção de pelo menos 75% da Área Bruta de Construção preexistente afecta a habitação social, acrescida de edificação para o mesmo ou para outros usos conexos com a função habitacional”.

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