Um fato efe(c)tivamente fatual

Não há, efectivamente, algum risco de o Português vir a tornar-se numa língua morta nos próximos séculos, como, aliás, acabaria por ser o latim que lhe deu origem, pelo que o seu futuro estará mais que garantido.

Há cada vez mais pessoas a falarem português em todo o mundo. No caso especial do nosso país, assim espelha o forte movimento migratório que se tem registado, com milhares de estrangeiros obrigados a conhecer a língua mais falada no território de acolhimento, para facilitação da sua própria integração. Nesse mosaico de novos falantes, uns melhor que outros, como será evidente, cabem do chinês ao maliano, enfim.

A crescente importância que a língua portuguesa vem ganhando nos mais distintos fóruns internacionais, com reivindicações à volta da sua admissão como língua de trabalho das próprias Nações Unidas, espelha a sua enorme vitalidade.

Para mim, alguma inquietação em relação ao seu futuro talvez tenha a ver mais com o seu conteúdo, se assim se pode dizer. O português falado em Angola terá uma «norma» muito diferente do que se fala em Portugal ou no Brasil, embora não acolhida já como tal.

Mas, as hesitações das autoridades angolanas na ratificação do último acordo ortográfico, em cuja elaboração participou, demonstram que há alguma dificuldade na aceitação oficial das regras já adoptadas por brasileiros e portugueses.

E isto vem me causando alguma confusão no manuseio da língua, já que, por exemplo, na minha condição de editor, tenho recebido textos tanto de autores que insistem nas regras ortográficas estabelecidas na década de 40, com razão, porque, afinal, o seu país (Angola) continua sem ratificar o que lhe sucedeu, assim como de outros que já se comunicam com base na nova ortografia adoptada pelo menos por Portugal e pelo Brasil, em que sobressai a supressão das consoantes mudas em dadas expressões ou palavras. Esta confusão estende-se inclusivamente a certos softwares. E assim vamos tendo fatos que deviam ser factos ou batismos trocados por baptismos e vice-versa. O próprio computador em que dedilho estas linhas, que até é de aquisição muito recente, nega-se a aceitar, passe alguma redundância avulsa, os termos do novo acordo ortográfico.

Ainda assim, não creio que as «normas» acolhidas por cada um dos países falantes da língua portuguesa, que ao fim e ao cabo sempre os diferenciará de algum modo, com mais acordos ou menos acordos, com fatos ou sem factos, possam colocar em perigo a vitalidade desse bonito linguajar que nos é comum. E que continuará a ser certamente por longos e felizes anos, independentemente das diversidades e especificidades de cada «português» - brasileiro, angolano, português, cabo-verdiano ou timorense. Viva o Português!

Jornalista, cronista e director do jornal Semanário Angolense (Angola). Texto originalmente publicado a 28 de Junho de 2014

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