A nova conquista do mar: proteção ou geopolítica?

O recente anúncio pelo Governo do estabelecimento destas grandes áreas marinhas protegidas necessita de uma discussão alargada e de esclarecimentos adicionais.

Recentemente foi anunciado que Portugal poderá vir a ter 400.000 quilómetros quadrados de áreas marinhas protegidas (AMP) com a inclusão de duas novas AMP de grandes dimensões na zona de extensão da plataforma continental a sul dos Açores (Great Meteor) e na área de ligação da ZEE do continente e da Madeira (Madeira-Tore), o que, à primeira vista, seria uma iniciativa de louvar.

Esta medida permitiria alcançar 10% de território marítimo protegido (sendo mais de 6% alcançado com apenas estas duas novas áreas), o que é visto como um marco a atingir por diversas convenções e acordos internacionais. Portugal juntar-se-ia assim a um conjunto de outros países que têm vindo recentemente a designar AMP oceânicas de grandes dimensões, como a Nova Caledónia, Ilhas Cook, Austrália, Reino Unido, Chile, Estados Unidos, África do Sul e Kiribati.

Apesar destes números, a nível global, a área de AMP com restrições à pesca e a outras atividades extrativas é inferior a 2% da área dos oceanos. Mais grave ainda, a maior parte destas AMP não são convenientemente vigiadas ou ordenadas pelo que se resumem a “parques de papel”. Apesar disso, algumas destas grandes APM são totalmente protegidas ou dirigidas à conservação de espécies ameaçadas como os tubarões, os atuns, os mamíferos marinhos ou as tartarugas.

Após o estabelecimento da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que representou a maior transferência de recursos da história da humanidade com a criação de zonas económicas exclusivas de 200 milhas nos países costeiros, assiste-se agora à expansão dessas áreas à luz da convenção, com diversos países a utilizarem as AMP como instrumentos de geopolítica para conquista territorial no mar.

É neste contexto que o recente anúncio pelo Governo do estabelecimento destas grandes AMP necessita de uma discussão alargada e de esclarecimentos adicionais. A comunidade científica internacional tem vindo a mostrar grandes preocupações com o uso instrumental de AMP para fins de conquista territorial, dado que não é esse o fim primordial a que se destinam estes instrumentos de ordenamento, mas antes à proteção da vida marinha e ao apoio à gestão sustentável das pescas.

Importa assim esclarecer questões como: quais os objetivos destas novas AMP? Quais os problemas de gestão que pretendem resolver? Quais os valores naturais que se pretendem proteger? Como serão efetivamente geridas, monitorizadas e vigiadas? Qual o nível de proteção pretendido? Com base em que valores naturais foram desenhados os seus limites? Qual será o processo de envolvimento da comunidade científica, das ONG, dos pescadores e de outros interesses emergentes na exploração do mar profundo (recursos minerais e biotecnologia)?

A presente proposta de classificação destas áreas ficaria muito empobrecida, se fosse elaborada apenas nos gabinetes ministeriais, pelo que se espera uma ampla discussão pública e envolvimento da comunidade científica neste importante passo para Portugal.

Já a intenção de propor uma legislação nacional para as AMP oceânicas excluindo as zonas protegidas costeiras levanta preocupações, dado que é nas zonas costeiras que, inevitavelmente, os desafios de sustentabilidade se colocam com maior intensidade. Adicionalmente, a recém-aprovada Lei de Bases do Ordenamento do Território insere nos planos diretores municipais os planos especiais de ordenamento (como são os das áreas protegidas), mas os municípios não têm jurisdição no mar. Assim, nas zonas protegidas que têm uma parcela em terra e outra no mar é ainda um incógnita como é que os planos de ordenamento destas áreas vão ser geridos.

Num país como Portugal, que é pequeno em território emerso mas um dos gigantes nos oceanos, espera-se que a conservação marinha tenha o merecido destaque, à semelhança do que acontece, por exemplo, em França, onde foi criada uma Agência Nacional de Áreas Marinhas Protegidas, tomando iniciativa semelhante, ou, no mínimo, dotando a autoridade nacional da conservação da natureza, o ICNF, das competências e meios para uma defesa eficaz dos valores naturais marinhos. Um país que não salvaguarda e valoriza o que é seu será sempre um pobre país.

Emanuel Gonçalves é biólogo e professor no ISPA-Instituto Universitário

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