Há nas Azenhas do Mar um gato que parece morto que, quando pensa que não estamos a vê-lo, anda aos saltos como um borreguinho bêbado de alegria.

Este gato tem este grande truque que é parecer estar à beira da morte. Aproxima-se de nós, arrastando-se pelo chão e – como traz sempre a língua de fora, tem olhos morbidamente abertos e parados e veste um pêlo espetado e tinhoso – pensamos que está prestes a ir desta para melhor.

Vamos a correr buscar uma lata de atum. Deixa logo de disfarçar: devora o atum num instante e, saciado, volta à vida. Deita-se de barriga cheia e, depois de vigorosa lavagem, com patinhas de maquilhador, põe-se a dormir um sono cheio de saúde e esperança. Com a língua de fora.

Tem dois donos que se conhecem e gostam um do outro. Partilham mais do que o gato: também partilham a ideia de cada um ser o único dono daquele animal. Um dos donos, muito bondoso, que cuida de uma dúzia de gatos, acha que o gato está muito mal e dá-lhe comidinha especial.

O outro dono, grande amigo dos animais, está convencido, com razão, que o gato está óptimo e dá-lhe ração da normal. Reconhece que o gato tem mau aspecto, mas, ao vê-lo aos pulos olímpicos, aceita-o como prova hilariante de que as aparências iludem.

O vivo-morto assegura assim um triângulo perfeito de alimentação: comidinha especial para gato numa ponta, latas de atum e de sardinha na segunda e, na última ponta, a ração equilibrada de que precisa todo o gato que se quer saudável.