Pedido de amnistia e perdão de penas para condenados entregue na Assembleia

A anterior amnistia data de 1999. Iniciativa, da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, recolheu 15 mil assinaturas.

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Situação de "ruptura" nas cadeias foi denunciada por guardas prisionais Carlos Lopes

Um pedido para uma amnistia e perdão de penas de prisão foi entregue nesta sexta-feira na Assembleia da República pela Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR). A petição, que recolheu 15 mil assinaturas, pretende preencher um vazio no tempo, porque as anteriores amnistias datam de 1994 e 1999. Mas não só: a intenção é também equilibrar uma situação em que os reclusos estão a cumprir penas "mais gravosas" do que estariam se elas fossem revistas nos tribunais de execução de penas.

Os promotores da petição também defendem que os presos sejam compensados por isso e pelas "condições péssimas" que se vivem nas cadeias.

O objectivo da APAR é ver aprovado um texto idêntico ao de 1999, que beneficiou os condenados até à data da aprovação em Março nesse ano. Entre outras possibilidades, a associação sugere a concessão de um ano de perdão nas penas até seis anos de cadeia; para penas superiores, dois meses seriam retirados todos os anos, passados esses primeiros seis. 

“Pretendemos que a Assembleia aprove uma amnistia e um perdão de penas para todos os condenados”, diz Vítor Ilharco, da APAR. E aponta a primeira razão: “Ao contrário dos outros países europeus, onde pelo menos uma amnistia foi concedida nos últimos 15 anos, em Portugal, desde 1999, não houve nenhuma”, sustenta, ressalvando que a associação não pretende dar qualquer sinal de impunidade à sociedade. 

Mas há outros motivos para o lançamento da petição e entrega no Parlamento, onde a APAR já foi recebida por três partidos (CDS, PCP e Os Verdes). Sendo Portugal “o país com taxa de criminalidade mais baixa” da Europa, esta associação diz não compreender que seja, ao mesmo tempo, aquele onde a taxa de encarceramento - número de presos relativamente à população - é mais elevada.

O sociólogo forense e professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Rui Abrunhosa, só em parte concorda e confirma: “Em Portugal, existe alguma elevação da taxa de encarceramento e também alguma desproporção relativamente à nossa taxa de criminalidade. Mas a desproporção é muito maior em países como Inglaterra ou Espanha."

As estatísticas disponíveis na página da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) referem o número de 11.692 presos condenados em 31 de Dezembro de 2013, mais do que os 10.953 registados um ano antes. Também confirmando a tendência para um aumento da população prisional, em 2011, esse número era de 10.211, superior aos 9.306 presos condenados em 31 de Dezembro de 2010.  

A sobrelotação das prisões, problema frequentemente referido, pode ser vista sob duas perspectivas, lembra Rui Abrunhosa. Por um lado, a sobrelotação prisional tem vindo a aumentar aos poucos e a promessa de construção de novas cadeias não se concretizou. Mas por outro, nota o académico, muitas pessoas que estariam a cumprir pena de prisão há uns anos, não o estão porque viram essas penas substituídas por trabalho comunitário e outras medidas. Em 2007, o Código Penal alargou o leque de casos em que isso é possível.

Os promotores da petição invocam outros motivos para o lançamento da iniciativa, como por exemplo o que dizem ser o incumprimento da Lei da Execução de Penas. Dizem que os tribunais de execução das penas não estão a rever as penas nos prazos previstos, ou seja, ao fim de cumpridos dois terços da pena de prisão. E como tal, os reclusos não estão a beneficiar do direito que lhes poderia ser concedido de redução de pena e da liberdade condicional. Assim sendo, diz Vítor Ilharco, "as penas de prisão acabam por ser muito mais gravosas do que aquilo que a lei estipula".

A legislação prevê, também, que, em caso de bom comportamento, um preso tenha direito a saídas precárias a casa, ao fim de um quarto do tempo de pena cumprido. “Em muitos casos, isso não está a acontecer”, aponta Vítor Ilharco que defende uma nova lei de amnistia e de perdão de penas para "tentar equilibrar essa situação".

A liberdade condicional é decidida num processo diferente daquele em que o recluso foi condenado. Cumprida metade da pena de prisão, o detido pode requerer a liberdade e os tribunais decidem perante critérios previstos no Código Penal.

Para isso, são elaborados relatórios sobre o recluso. O juiz terá de decidir se é ou não provável se aquele voltará a cometer crimes em liberdade e se a libertação é compatível com a defesa da ordem e da paz social na comunidade em que o crime ocorreu. É ainda fundamental analisar o arrependimento do recluso, a consciência critica que tem face ao crime, as suas expectativas para a vida em liberdade e eventuais indemnizações que não tenha pago às vítimas.

É um conselho técnico que integra o juiz, o procurador, o director da prisão e o chefe dos guardas prisionais da cadeia em que o recluso se encontra que opina sobre a concessão da liberdade. A concessão da liberdade condicional é apenas obrigatória quando os reclusos, a cumprir penas superiores seis anos de prisão, alcançam cinco sextos da pena.

Tanto o Conselho Superior da Magistratura como a Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais se escusaram a comentar estes dados e os motivos invocados. O professor da Universidade do Minho Rui Abrunhosa identifica a situação de as penas não estarem a ser revistas, mas diz que tal “tem a ver com o eterno problema de algum mau funcionamento da Justiça" e que não se resolve com uma lei de amnistia.

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