Da preguiça

Quem já experimentou entrevistar Kurt Vile sabe que a tarefa é complicada por certas idiosincrasias do bardo, que quando decide abrir a boca prefere monossílabos a frases completas e não é moço para atender o telefone de manhã. Em suma, se à primeira a música de Kurt Vile se assemelha a um encontro de uma vaga noção de folk americano com muita droga, o confronto com o sujeito de carne e osso leva-nos a reformular a teoria: a música de Kurt Ville é um encontro de uma vaga noção de folk americana com muita preguiça. Pelo que quando Vile decide abrir o seu primeiro disco após a explosão mundial com uma canção de nove minutos chamadaWalkin’ on a pretty day, que ainda por cima dá nome ao disco, presume-se haver aqui uma espécie de afirmação fundamental. Contudo, nada mudou muito: a mencionada vaga noção de folclore continua envolta numa névoa opiácea, e o cúmulo da sofreguidão nesta canção lindíssima que trilha territórios semelhantes aos que os Mazzy Star ocuparam é um duelo (apenas visível ao microscópio) entre um solo dorminhoco de guitarra e a voz do rapaz. Este é o registo que melhor cai a Vile: meia-dúzia de acordes esparsos, dedilhados bem definidos de guitarra eléctrica, uma melodia insone por cima — o registo que encontramos em Girl called Alex, Never run away ou Too hard, e que ocupa a maior parte do disco. As mudanças não são estruturais, antes pontual questão de adorno: o riff de KV crimes que recorda os Rolling Stones, uma caixa de ritmos em Was all talk (talvez a canção menos conseguida), as teclas e o berro em Shame chamber (tremenda canção), um piano que ocasionalmente emerge. Pelo que Walkin’ On A Pretty Day, não sendo digno de um herdeiro de Gram Parsons, é Vile típico, se bem que mais arranjado e composto. É, digamos, um Kurt Vile que conseguiu acordar a horas do almoço de família ao domingo e até deu um jeito ao cabelo — mas que continua tão molenga, prazenteiro e belo como antes.

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