Se um homem fosse uma ilha

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José Frade

Luís Guerra estreia hoje, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, mais um episódio da sua saga em Laocoi, território por si imaginado. A coreografia está em cena até sábado

Se tivesse que dizer onde fica Laocoi, Luís Guerra diria que seria uma ilha, "talvez um arquipélago", ao largo das ilhas britânicas. Mas "já mudou tantas vezes de sítio" e "são tantas as hipóteses", que quando se fala em Laocoi, na verdade estamos a falar de uma quimera, "uma ideia" que para este bailarino e coreógrafo se tornou numa forma de expressão, num discurso. Sobre este território já fez mapas, escreveu histórias, ligou personagens, pensou em narrativas que cruzam a realidade e a ficção. E fez coreografias "como se fossem a parte visível desse universo", que ele raramente mostra a alguém.

Qqywqu"ddyll"o", a terceira peça que elabora a partir deste universo, depois de Laocoi (2008), sobre o seu povo, Hurra! Arre! APRE! Irra! Ruh! Pum! (Homenagem to Cristina de Pina) (2010), sobre um conjunto de rituais, e agora este, com um guerreiro a mostrar porque são especiais os homens que vêm de Laocoi. Este que agora apresenta, misto de guerreiro e feiticeiro, mostra-se numa coreografia exigente, complexa e de execução virtuosa, revelando a evolução de Luís Guerra como um dos mais importantes intérpretes nacionais.

Luís Guerra, que a par do seu percurso como coreógrafo dançou em peças de Rui Horta, Paulo Ribeiro e Tânia Carvalho, tem-se distinguido pela precisão do seu trabalho, o cuidado com que elabora o movimento, a distinção entre enunciado e resultado. Os movimentos que desenha, sejam transferidos para outros corpos, seja concentrando-os no seu, cinzelado, são o único material de trabalho que lhe parece interessar. "A pesquisa de movimento era o mais importante. Queria focar-me numa estrutura mais simples do que as peças anteriores [de grupo]."

A peça, na qual partilha o palco com a performer Bruna Carvalho - para quem escreveu uma peça para voz e violino inspirada no canto gregoriano e nessa língua que só em Laocoi se fala -, é reduzida no plano visual, mas ampla no significado do movimento. Podemos ver nos movimentos que traça na semiobscuridade ecos de Merce Cunningham (a espacialização de um corpo que se bate com a imobilidade), Trisha Brown (a acumulação como método foi uma das bases de trabalho) e, não sem surpresa, um lastro de Nijinski (o figurino de Aleksandar Protic aponta na direcção de um fauno). "Há um lado de feiticeiro e de guerreiro, de movimentos pop com movimentos clássicos", diz-nos. É um movimento que se interrompe, que é cortado, que chega a contradizer-se.

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