Arriscar com arte

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Dan Flavin

A exposição no Museu Colecção Berardo, "Arriscar o Real", inclui obras de Dan Flavin emprestadas por Panza di Biumo. Também lá estão obras de Donald Judd, Bruce Nauman, Caetano Dias... Uma permanente tensão para ver até 30 de Agosto, em Lisboa

O início de "Arriscar o Real", a nova apresentação da Colecção Berardo, no Museu Berardo, em Lisboa, pode servir de mote àquilo que se passa durante o percurso proposto por Larys Frogier, o comissário.

Em confronto, as obras de Dan Flavin e de Donald Judd - este último tinha as janelas do seu loft nova-iorquino, situado no Soho, emolduradas por um trabalho em néon do seu amigo e vizinho. De um lado, o "objecto sem qualidades", de Judd; do outro, uma das luminosas homenagens de Flavin ao construtivista russo Vladimir Tatlin.

O diálogo entre dois tipos de minimalismo, termo aceite com reticências por ambos os artistas norte-americanos, é afectado pela tensão entre obras que se queriam objectivas, no caso de Judd, ou intencionalmente políticas e poéticas, em Flavin.

Há, portanto, uma permanente tensão ao longo de "Arriscar o Real".

O confronto entre uma escultura pós-minimalista de Richard Serra e o vídeo "O Mundo de Janiele", de Caetano Dias, é outro exemplo dado pelo comissário da exposição, que aponta também para as questões políticas inerentes à obra do artista brasileiro, no qual se observa uma menina a dançar com um " hula hoop", enquanto a câmara faz um movimento contrário, de 360 graus, revelando o espaço em volta: uma favela.

Não existe escapatória para esta oposição entre corpo e realidade, em vários destes encontros entre obras díspares concebidos por Frogier, numa exposição dividida em três secções: "Espaços reais: a figura em recuo"; "O real para lá dos limites: a figura em actos"; e "O real traumático: a figura sob todos os seus estados."

Esta nova leitura da Colecção Berardo, onde se podem encontrar algumas aquisições recentes, como "The Cotton Fabric Paintings # 17" (2007), de Pedro Cabrita Reis, e o vídeo "A hot afternoon 3. Performance in Lisbon on 4 April 1978", da italiana Gina Pane, conduz o espectador através de obras significativas de artistas como Bruce Nauman - trabalhos nos quais se pode ler um comentário, muitas vezes no prolongamento dos textos de Samuel Beckett, ao absurdo e à violência presentes no quotidiano -, Robert Gober, Jeff Koons, Francis Bacon, Richard Hamilton, Mario Merz, Giovanni Anselmo, Carl Andre, Frank Stella e Marcel Duchamp.

Da arte conceptual, com a sua variante de crítica institucional, à arte pop, passando pela arte povera e chegando aos nossos dias, a exposição abarca assim um largo espectro de leituras.

Uma das grandes novidades da mostra é a inclusão de sete esculturas de Dan Flavin provenientes da Colecção Panza, começada a reunir, em 1956, pelo conde Giuseppe Panza di Biumo e sua mulher, Rosa Giovanna Panza di Biumo - o acervo iniciou-se com a aquisição de obras de Antoni Tàpies, Jean Fautrier e Franz Kline e hoje é considerado um dos mais significativos do mundo, com cerca de 2500 trabalhos, destacando-se os núcleos de arte minimal e conceptual.

Místico disfarçado

No Museu Berardo são mostradas cinco peças de Flavin dedicadas a Donald Judd, todas de 1987, e ainda duas outras com envios em título para dois nomes, Anne e Caroline. Entrevistado por Gisella Gellini, o coleccionador nota: "As primeiras peças de Flavin com lâmpadas fluorescentes constituíram uma verdadeira revolução, pois introduziram a luz real, ainda que artificial." E acrescenta que, para si, o artista norte-americano era um místico "disfarçado": "Por trabalhar na década de 1960, não podia falar em misticismo, mas tinha dentro de si esse impulso inato, eu diria mesmo reprimido, que precisava de ser exprimido."

O conde Panza di Biumo chegou mesmo a convidar Flavin a realizar uma das suas obras, o "Varese Corridor", nas cavalariças Villa Menafoglio Litta Panza, construída no século XVIII em Biumo, lugar que alberga parte da sua colecção - cada espaço recebe a obra de um único artista.

Como sublinha na entrevista a Gellini, a necessidade de expor apropriadamente e de forma duradoura uma série de trabalhos "ambientais" pesou no convite realizado não só a Flavin, mas também a Irwin, James Turrell e Maria Nordman: "Comecei a coleccionar as obras de Flavin em 1966 e de outros artistas de Los Angeles em 1968, e achei que esta evolução da luz era uma mudança radical, algo de extrema importância na história da cultura. Portanto, dedicar-lhe uma grande parte do espaço disponível era uma escolha necessária, mas era também uma oportunidade de expor de um modo permanente e correcto estas obras de arte que raramente estão expostas de forma adequada."

Por ocasião da exposição actual, o Museu Berardo dá início à publicação de uma nova colecção de livros, intitulada "Sem Título" e com design do atelier R2. Até ao final de 2009 serão lançados "Arriscar o Real. Fábricas da Figura na Arte do Século XX", de Larys Frogier - um questionamento das acepções de figura e de real na história de arte dos últimos cem anos; "Paisagens Oblíquas. A Permanência da Paisagem na Arte", de Eric Corne e "Casa de Bonecas. Propostas Contemporâneas Sobre a Mulher e a Subjectividade", de Ana Rito.

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