Galáxia Duchamp

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Walkaround Time (1968), com música de John Cage e cenários de Jasper Johns: nesta imagem de 1970, Cunningham também dança (ao fundo, à direita)

Na exposição que o Barbican Centre, em Londres, inaugura a 14 de Fevereiro, dá-se um encontro: Marcel Duchamp com John Cage, Merce Cunningham, Robert Rauschenberg e Jasper Johns.

Na exposição que o Barbican Centre, em Londres, inaugura a 14 de Fevereiro, dá-se um encontro: o do homem responsável por uma das maiores transformações na arte do todos os tempos com quatro figuras de referência da cultura do século XX que foram por ele influenciadas. Isto é o mesmo que dizer que Marcel Duchamp se encontra com John Cage, Merce Cunningham, Robert Rauschenberg e Jasper Johns.

Foi o homem que pôs urinóis e rodas de bicicleta em galerias e lhes chamou arte - as palavras são de Charlotte Higgins, jornalista do diário The Guardian, evocando Fountain e Bicycle Wheel - que ajudou a levar a arte moderna para os EUA, se tivermos em conta que é a exposição do Armory de 1913, em Nova Iorque, que mostra uma das suas obras fundadoras, Nude Descending a Staircase (1912), provocando um escândalo imediato.

Segundo Jane Alison, curadora do Barbican, a atracção dos jovens artistas por Duchamp explica-se pelo facto de lhes ter dado acesso a uma arte de vanguarda, de raiz dadaísta, que servia de "contraponto ao expressionismo abstracto, cansado e machista", em crescimento na Nova Iorque em que se moviam.

O primeiro dos quatro a conhecê-lo foi o compositor, Cage. E daí até que o coreógrafo e os dois pintores, Rauschenberg e Johns, se deixassem arrastar para o seu universo foi um passo. Os quatro trabalhavam juntos na companhia que levava o nome de Cunningham mas que, na realidade, era uma incubadora para as ideias (e o génio) de todos. As obsessões de um tornavam-se facilmente as obsessões dos outros.

A exposição do Barbican reúne mais de 90 obras, incluindo alguns dos readymades de Duchamp e interpretações ao vivo e gravadas de peças de Cage e de Cunningham. Garante o centro de artes londrino que é uma experiência total a que não falta sequer Nude Descending a Staircase e The Bride Stripped Bare by her Bachelors, Even, trabalho mais conhecido como Large Glass e um dos que mais marcou Cunningham, que dele partiu para criar Walkaround Time (1968), com cenários de Johns (também expostos).

Era a serenidade de Duchamp que, além da obra, impressionava o coreógrafo: "O principal, acho, é o tempo. Marcel sempre nos deu a sensação de ser um ser humano permanentemente calmo, embora os dias passassem..." Conversavam muito. E com Cage, muitas vezes, durante os jogos de xadrez. Duchamp era exímio e o compositor, embora fosse bom jogador, ao pé dele sentia-se sempre um aprendiz.

Se da exposição The Bride and the Bachelors: Duchamp with Cage, Cunningham, Rauschenberg and Johns (até 9 de Junho) passarmos para a programação paralela que ela implica - e a que o Barbican chamou Dancing Around Duchamp - alargamos a galáxia deste artista-inventor a Beckett, Eugène Ionesco e Robert Wilson. Do primeiro apresenta-se Watt, a peça que conta a história de uma personagem que vagueia até chegar à casa de Mr. Knott, um homem misterioso a quem vai servir. Watt é uma produção do Gate Theatre Dublin, companhia que tem vindo a especializar-se na obra do dramaturgo irlandês, outro apaixonado do xadrez. De Ionesco o programa dá a ver Rhinocéros, texto maior do teatro do absurdo que é uma crítica a todas as formas de totalitarismo, numa encenação de Emmanuel Demarcy-Mota para o Théâtre de la Ville, em Paris (passou também por Portugal e pelos EUA). Wilson homenageia Cage em Lecture on Nothing, com o videasta Tomek Jeziorski e o compositor Arno Kraehahn. O efeito visual é grande, mas o coração da obra continua a ser o texto experimental em que o compositor norte-americano usou os mesmos métodos criativos que aplicava à sua música.

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