Federações desportivas: Conselho de Disciplina, Conselho de Justiça ou Tribunal Arbitral do Desporto?

1. Temos para nós que o Governo em nada iria alterar – a breve trecho – o regime jurídico das federações desportivas não fosse a sua determinada – faça-se justiça – intenção de criar o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD). Este juízo não é fruto de uma noite mal dormida ou de ideia que surgiu na mente de forma aleatória e intrusiva. Com efeito, se olharmos para o processo adoptado pelo Governo quanto a essas alterações, difícil é não chegar a tal conclusão. Em finais de 2012, o despacho ministerial que criou o Grupo de Trabalho (GT) para avaliar quatro anos de vigência do diploma não deixava dúvidas quanto à relevância dessas alterações. Em Junho de 2013, o relatório do GT “marcou” os espaços dessas alterações. De então para cá, até aos dois últimos meses, nada se passou. Foi só quando o Governo “arrancou” para a uma terceira tentativa de criação do TAD, que tais alterações começaram a ser anunciadas e, desde logo, pela necessidade de compatibilizar algumas dessas normas com as inovações da lei do TAD. De

2. Sobre tais alterações, já aprovadas em Conselho de Ministros, ocupar-nos-emos aquando da publicação do decreto-lei no Diário da República. Há algo, porém, que nos preocupa (mas aparentemente só a nós, o que é uma vantagem).

Como já assinalámos, noutro local, o diploma que contém as alterações ao regime jurídico das federações desportivas, tem uma norma cujo conteúdo é, no mínimo, incompreensível: as federações desportivas já existentes devem adaptar os seus estatutos ao disposto no presente decreto-lei, sem prejuízo dessas alterações só produzirem efeitos a partir do próximo mandato dos órgãos sociais da federação desportiva. Ora, uma dessas inovações localiza-se nas competências do Conselho de Disciplina (CD) e do Conselho de Justiça (CJ).

Ao invés do que agora sucede, e para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao CJ conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. Ou seja, o CJ já não terá a competência disciplinar, em recurso, “total”. Porquê? Porque a lei do TAD vem atribuir essa competência ao TAD, “passando por cima” do CJ.

3. Acompanhe-me agora o leitor neste simples exercício. 1º: entram em vigor as novas normas sobre o regime jurídico das federações desportivas. Solução: os estatutos continuarão a prever, até finais de 2016, princípio de 2017, que de todas as decisões disciplinares do CD cabe recurso para o CJ. 2º: entra em funcionamento o TAD: os estatutos federativos mantêm-se inalterados quanto às competências do CD e do CJ, todavia cabe ao TAD, e não ao CJ, conhecer dos recursos do CD, em confronto com as disposições estatutárias ainda válidas.

4. E assim acontece com o legislador em Portugal.

Tipo (como os adolescentes): eu quero assim, todos queremos assim, vamos a eles, depressa e de qualquer maneira. Depois, logo se vê. Sempre haverá juristas para resolver o insolúvel. A isto denomina-se “celeridade, clareza e uniformização”, pressupostos filosóficos de uma justiça desportiva.

josemeirim@gmail.com

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