Leonor e Madalena querem ser personagens de animação japonesa

Lisboa recebe neste fim-de-semana mais uma edição do IberAnime, o maior evento de cultura pop japonesa em Portugal. Além de anime, manga, videojogos e jogos de tabuleiro, o cosplay é uma das principais atracções do evento. Na última edição, realizada em 2013 em Gondomar, o evento contou com a eliminatória nacional do World Cosplay Summit, que permite a duas jovens portuguesas participarem este ano no maior evento de cosplay do mundo.

Fotogaleria
Madalena e Leonor como Astharoshe e Abel Vanda Allen
Fotogaleria
Leonor interpretando Sakura Madalena
Fotogaleria
Leonor como Freddie Mercury dos Queen Rui Rodrigues
Fotogaleria
Leonor como Sheryl Sam Felix
Fotogaleria
Leonor como Astharoshe Vanda Allen
Fotogaleria
Madalena como Sinbad Magi Vanda Allen
Fotogaleria
Madalena e Leonor como Sheryl e Alto Vanda Allen
Fotogaleria
Madalena e Leonor como Sheryl e Ranka Miguel Marques
Fotogaleria
Madalena como Makishima Shogo Felix Works

Na casa de Leonor Grácias cortam-se os primeiros tecidos para o cosplay de Sheryl e Alto, personagens do anime Macross Frontier, que a jovem de 24 anos e a sua amiga, Madalena Ramires, vão usar no World Cosplay Summit (WCS). As duas amigas são praticantes de cosplay , abreviação de costume play, um hobby bastante popular entre fãs de cultura japonesa. A actividade consiste em construir o fato, vestir-se e interpretar uma personagem de anime, manga ou videojogo.

Juntas, Leonor e Madalena formam a primeira equipa portuguesa a participar no World Cosplay Summit (WCS), o maior evento de cosplay do mundo, onde duplas de cosplayers de 25 países se apresentam e competem. O evento, que se inicia a 2 de Agosto, e que inclui o Cosplay Champioship e a Osu Cosplay Parade, atrai milhares de outros cosplayers e curiosos à cidade japonesa de Nagoya.

A dupla começa os preparativos com o corte dos casacos, feitos de tecido pele de pêssego, de duas das personagens. Leonor hesita em cortar o colete da sua personagem, Sheryl. “A pior parte é cortar os tecidos, porque se fizer asneira não há como voltar atrás.”

Além de Sheryl e Alto, a dupla terá de preparar mais seis cosplays para levar a Nagoya. A escolha foi baseada em cosplays que ambas queriam fazer: no Cosplay Championship irão apresentar duas versões guerreiras da princesa Clalaclan do jogo Shining Wind; para o segundo desfile da Osu Cosplay Parade, Leonor será Claladan e Madalena o seu irmão, Caris; para a conferência de imprensa, a dupla apresentar-se-á numa versão in Wonderland das personagens Esther Blanchett e Cain Nightroad, do anime Trinity Blood.

O orçamento das cosplayers está nos 2000 euros, que sairão maioritariamente do bolso das próprias e dos seus pais. Por este motivo, os materiais tornam-se muito valiosos: “Não costumo fazer moldes, mas neste caso tive de fazer porque temos pouco tecido”, diz Leonor, enquanto reflecte sobre a quantidade de tecido a dar ao colete. Além dos custos, encontrar tecidos pode por vezes ser difícil, e a dupla considera que é necessário ter criatividade: “Chegamos ao ponto de passar por restaurantes e dizer ‘aquela toalha de mesa era perfeita'”, conta Madalena.

Mas não só de tecidos vive o cosplay. Para as armaduras e escudos, Madalena vai trabalhar worbla, um termoplástico recente no mercado que pode ser moldado a baixas temperaturas. As técnicas para este tipo de trabalhos são igualmente criativas: para fazer, por exemplo, um chestplate, a dupla terá de colocar um soutien num manequim, forrá-lo com celofane e depois colocar a placa de worbla previamente aquecida para a moldar, e colocar de novo celofane para o material aguentar a forma. “É difícil, mas não é impossível”, diz Leonor.

O cosplay é uma actividade que exige criatividade e habilidades, que muitas vezes levam os jovens a aproximar-se daqueles que lhes são mais próximos para aprender. André Filipe, da Associação Portuguesa de Cosplay (APC), sublinha que “o cosplay é uma forma de aproximar gerações: avós com capacidades na costura, carpintaria; pais que sempre tiveram uma apetência artística”. Leonor pediu à avó para a ensinar a costurar quando começou a fazer cosplay, Madalena tem a ajuda do pai nos trabalhos que envolvem bricolage.

Além destas habilidades, é essencial, para sobressair no cosplay, dar um toque pessoal àquilo que se faz. O objectivo é “ser igual à personagem e diferente dos outros cosplayers”, e nesse sentido personalizar os fatos é um aspecto marcante. As armaduras que a dupla vai usar no Cosplay Championship vão ser decoradas com renda, uma ideia que Leonor teve de outros cosplays que viu, considerando que a decoração é também onde podem sobressair, “por adicionar alguma coisa nossa: não é alterar, é adicionar, para ficar ainda mais vistoso, porque tem tudo a ver com a atenção”.

Da ficção para a realidade

Exactamente para captar a atenção, a dupla escolheu para o primeiro desfile da Osu Cosplay Parade fazer cosplay de Alto e Sheryl numa versão de circo, o que lhes permite uma grande interacção com o público. “Podemos mesmo fingir que estamos numa apresentação de circo.”

Por entre muitas capacidades, é consensual que um bom cosplayer é aquele que consegue encarnar a sua personagem de forma credível. Para André Filipe, consultor para a Associação Portuguesa de Cosplay, “o bom cosplayer é aquele que consegue trazer de uma forma credível, e à sua maneira, uma personagem de ficção para a realidade”.

O cosplay exige uma certa teatralidade aos seus praticantes: “Parece que é só fazermos os fatos, mas temos de saber como é que é a personagem, como é que fala...”, diz Leonor. Esta teatralidade foi uma das coisas que a atraíaram – “O cosplay satisfaz esse lado camaleão em mim. Eu não sou actriz, não sou modelo, não sou cantora, mas sou um bocadinho disso tudo quando faço cosplay.

Madalena salienta a identificação que sente com algumas personagens: “Agarro-me muito emocionalmente às personagens, sou o género de pessoa que diz ‘esta personagem é mesmo eu’, há logo uma química, e tenho de fazer cosplay daquela personagem, demore os anos que demorar.”

A performance é considerada a parte mais importante do concurso, e a dupla terá de preparar um skit, uma pequena representação para fazer durante o Cosplay Championship. Os conhecimentos que Madalena adquire no curso de Comunicação e Multimédia que está a tirar serão essenciais quando trabalharem com programas de animação e áudio, mas antes disso há que criar “uma história, inspirada numa cena do anime ou numa imagem, uma história com cabeça, tronco e membros para o público e os jurados verem. Apesar de ser cosplay, isto é como um teatro”.

Um hobby em crescimento

A eliminatória que permitiu a participação da dupla no WCS deu-se no IberAnime OPO 2013, um dos maiores eventos dedicados à cultura pop japonesa realizados em Portugal. A iniciativa de trazer esta competição a Portugal foi da produtora de eventos Manz, que considerou, segundo o CEO da empresa, André Manz, que seria “muito importante trazer o WCS, porque ajudaria ao desenvolvimento dessa cultura em Portugal”.

O cosplay surgiu em Portugal em 1997, mas começou a ganhar mais expressão em 2004, com o aumento de eventos dedicados à cultura pop japonesa, como o IberAnime, que leva ainda hoje a um maior conhecimento desta actividade e a um consequente aumento de praticantes. Também a transmissão da conhecida série Dragon Ball, mas também de Naruto, Bleach, entre outras, em canais portugueses, levou a um conhecimento do anime e “daí até uma rápida pesquisa no Google por anime, Portugal, era um passo à descoberta do cosplay”, acrescenta André Filipe.

Leonor desde pequena que gostava de ver os desenhos animados japoneses, tendo tido o seu primeiro contacto com o cosplay aos 14 anos, quando fazia pesquisas na Internet. Já Madalena chegou ao cosplay por influência de uma amiga que tinha conhecimento deste universo. A APC estima que existam 300 a 400 cosplayers em Portugal com alguma actividade regular e a participação num concurso como o WCS pode estimular o aumento da qualidade dos cosplays em Portugal, nomeadamente pela existência de eliminatórias de uma grande competição. Muitos cosplayers estão agora a tentar “mostrar o cosplay como algo mais sério: um hobby, mas não feito por amadores”, defende Leonor Grácias.

Por participar este ano pela primeira vez no WCS, Portugal terá apenas estatuto de observador. Apesar disto, o ânimo da dupla não fica diminuído: “Nós vamos para lá como se fôssemos para ganhar”, diz Madalena, e apesar de considerarem que lhes tira um peso de cima não haver a possibilidade de ganharem ou perderem, sentem ainda assim a responsabilidade de representar Portugal.

Ao mesmo tempo que se sentem entusiasmadas, as amigas receiam não acabar os preparativos a tempo. Para que tal não aconteça, a dupla, que escolheu como nome Konpeito (rebuçados de açúcar japoneses, inspirados nos confeitos portugueses), vai passar os próximos meses a coser, moldar, decorar e treinar, aperfeiçoando os seus fatos e performances. “Tenho medo de que corra mal”, diz Leonor, tendo uma pronta resposta de Madalena: “Não vai correr mal.”

Sugerir correcção
Comentar