A “obra-prima do rococó português” vai acolher a memória dos hospitais de Braga

Palácio do Raio será Centro Interpretativo das Memórias da Misericórdia de Braga, recebendo espólio da instituição e dos cuidados de saúde na região

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O centro interpretativo irá receber peças de antigos hospitais da Misericórdia, como o de S. Marcos Luís Efigénio/Nfactos

A memória dos antigos hospitais das Misericórdias do Minho vai ser preservada pela Santa Casa de Braga num centro interpretativo, para o qual recebeu este mês um financiamento comunitário. O equipamento vai ocupar o Palácio do Raio, no centro da cidade e uma das mais importantes obras da arquitectura barroca no país. O edifício está há vários anos devoluto e vai ser integralmente reabilitado para acolher o núcleo museológico, bem como o acervo documental da instituição.

Máquinas e aparelhos usados nos cuidados médicos, bem como outros utensílios dos antigos hospitais farão parte da exposição permanente do Centro Interpretativo das Memórias da Misericórdia de Braga, cujas obras devem começar no próximo mês. A estes vão também juntar-se documentos que guardam o passado dos cuidados de saúde no Minho, que esteve a cargo das Misericórdias antes da criação do Serviço Nacional de Saúde.

Por isso, o centro interpretativo vai ocupar o Palácio do Raio, onde durante todo o século XX, estiveram instalados serviços do Hospital de S. Marcos. Situado na rua do Raio, junto à Avenida da Liberdade, o edifício é um dos mais emblemáticos de Braga e um exemplar raro da fase mais exuberante da arquitectura barroca no país. O palácio é classificado como “a obra-prima do rococó português” pelo Historiador de Arte Eduardo Pires de Oliveira, que tem dedicado a sua via ao estudo da obra de André Soares, autor do edifício. “Há obras importantes do rococó na região, mas o Raio é uma coisa à parte. É muito mais complexo do que qualquer outra peça”, ilustra.
 O centro interpretativo é um dos vinte e seis projetos de requalificação na área do Património Cultural com financiamento comunitário na semana passada pelo Programa Operacional do Norte. A iniciativa tem um orçamento de 4,2 milhões de euros que vão ser usados na reabilitação integral do Palácio, que é Imóvel de Interesse Público desde 1956.

O espaço vai guardar também o espólio documental da Santa Casa da Misericórdia de Braga. O acerco “não é particularmente famoso”, defende Eduardo Pires de Oliveira, conhecedor profundo dos acervos das confrarias e outras instituições religiosas do Minho. O espólio “não se compara com os das Misericórdias de Lisboa e Porto” e falta-lhe “uma peça fundamentalíssima”, que é o retrato do João Duarte Faria, primeiro dono do Palácio do Raio e benfeitor do hospital de Braga, cujo paradeiro não é conhecido.

>Foi esse rico comerciante que encomendou o palácio, em 1752, a André Soares. A obra foi criada durante o período áureo do barroco em Braga, que tinha sido inaugurado pela mão do arcebispo D. José de Bragança, irmão do rei D. João V. Na fachada sobressai a exuberância da decoração, desde logo da porta central ricamente trabalhada e também das 11 janelas dividas pelos dois pisos. Os ornatos são assimétricos, dando ao edifício uma dinâmica e um dramatismo que são comuns na obra do arquitecto bracarense.

A obra teve depois uma segunda campanha, nos finais do século XIX, altura em que foram colocados os azulejos que dão o tom azul à fachada, bem como uma porta de vidros coloridos que separa o átrio da caixa de escadas. É desta altura também a pintura dos tectos e da caixa de escadas, atribuída a Pereira Júnior, um artista que trocou, naquela altura, Lisboa por Braga, depois de ter pintado também parte da decoração do edifício da Câmara da capital.

Foi no final do século XIX que o edifício passou para as mãos da Santa Casa da Misericórdia de Braga, que comprou o edifício em 1873. As várias utilizações do edifício resultaram num interior “bastante descarecterizado”. “Foram sendo construídas salinhas e saletas no piso nobre”, conta Eduardo Pires de Oliveira. O palácio acabou por ser integrado no complexo do hospital de S. Marcos, que funcionou naquela zona da cidade até 2011. Nessa fase altura foram feitas outras alterações no interior da estrutura, que agora deverão ser revertidas com o projecto de reabilitação.

“É preciso algum acompanhamento nesse processo”, adverte Pires de Oliveira, defendendo a contratação de uma equipa multidisciplinar (com especialistas na área do documento, da história da arte, do restauro e da arqueologia, além de arquitectos e engenheiros civis) para acompanhar o processo e evitar erros no processo de transformação do palácio rococó num centro interpretativo.

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