Morreu Moller Nielsen, o “cavaleiro” do futebol dinamarquês

O treinador que levou a Dinamarca à conquista do Campeonato Europeu de 1992 morreu aos 76 anos depois de uma doença prolongada.

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A Dinamarca sagrou-se campeã europeia em 1992, na Suécia DR

Morreu nesta quinta-feira o ex-treinador de futebol, Richard Moller Nielsen, responsável pela surpreendente vitória da selecção dinamarquesa no Campeonato Europeu de 1992, revelou a sua família. “Ricardo”, como era conhecido na Dinamarca, de 76 anos, estava muito debilitado desde que foi operado a um tumor no cérebro, em Julho do ano passado, segundo a Reuters.

O ex-guarda redes do Manchester United e do Sporting, Peter Schmeichel, referiu-se ao treinador como “uma inspiração”, um “amigo” e “professor”. “Descansa em paz, meu amigo”, escreveu no Twitter.

A carreira de Moller Nielsen irá ficar sempre marcada por aquela noite de 26 de Junho de 1992, em Gotemburgo, em que, contra todas as expectativas, a Dinamarca venceu a poderosa Alemanha por 2-0, sagrando-se campeã europeia de futebol. Por trás do “conto de fadas” dinamarquês estava um homem discreto cuja trajectória é também ela pontuada por acasos fortuitos.

Como futebolista, Moller Nielsen teve uma carreira pouco entusiasmante como defesa no Odense (1959-62), clube perto da sua cidade natal, Ubberud. Alcançou duas internacionalizações pela Dinamarca e despediu-se dos relvados prematuramente depois de uma lesão grave.

Como treinador passou por várias equipas dinamarquesas, entre as quais o Odense e o Esbjerg, e em 1978 assume o comando da equipa de juniores da selecção dinamarquesa. Durante quase uma década Moller Nielsen desenvolve as bases de uma “geração de ouro” do futebol do país escandinavo, onde já despontam os irmãos Laudrup, Brian e Michael.

A passagem de Moller Nielsen para o leme da selecção principal aconteceu em 1990 mas a sua contratação foi vista como uma alternativa. A primeira escolha tinha sido o alemão Horst Wohlers mas problemas contratuais impediram que rumasse a Copenhaga.

Moller Nielsen não foi recebido propriamente de braços abertos. Um vice-presidente da federação dinamarquesa demitiu-se e vários clubes da liga de futebol abandonaram os seus lugares na direcção do organismo, segundo o New York Times. A missão do técnico era apenas uma: a classificação para o Campeonato Europeu de 1992, que seria disputado na vizinha Suécia.

Se os dinamarqueses já não morriam de amores por Moller Nielsen então o primeiro teste a sério deixou a imprensa e os adeptos em polvorosa. A jogar em casa, a Dinamarca foi derrotada pela Jugoslávia por 2-0, sem motivos para desculpas. Em rota de colisão com o técnico, as estrelas da companhia, os irmãos Laudrup, abandonaram a selecção.

A Dinamarca ainda conseguiu vingar a derrota em casa, conseguindo ir ganhar à Jugoslávia, mas o resultado foi insuficiente para os escandinavos se qualificarem para o Euro. Os jogadores prepararam-se para assistir à competição pela televisão e Moller Nielsen tinha à sua espera um excitante Verão em que iria redecorar a sua cozinha.

Onze dias para preparar um campeão

Entretanto, a Jugoslávia implodia e a situação política tornava-se cada vez mais insustentável. O início de uma guerra civil no país levou a UEFA a barrar a presença da Jugoslávia na competição, a apenas 11 dias do pontapé de saída.

Como segundos classificados no grupo de qualificação, a Dinamarca foi chamada de urgência para preencher a vaga. Com muitos dos jogadores já em férias, Moller Nielsen apenas conseguiu reunir os 20 convocados três dias antes do primeiro jogo.

A expectativa era de uma derrota em toda a linha para os dinamarqueses. Para além da ausência de preparação para o Euro, o grupo em que a equipa foi sorteada não podia ser mais difícil. Para além da selecção organizadora, a Suécia, a Dinamarca tinha pela frente a Inglaterra e a França.

“Podia ter criado um alibi para a equipa e podia ter dito que não tínhamos qualquer hipótese de ganhar um jogo, mas não o fiz”, afirmou Moller Nielsen, numa entrevista ao NYT, meses depois.

A campanha começou com um elogioso empate a zero com a Inglaterra. Seguiu-se uma derrota contra a Suécia com um golo solitário de Tomas Brolin. No último lugar do grupo, a Dinamarca preparava-se para regressar a casa como era esperado. Frente a uma França comandada por Eric Cantona, Didier Deschamps e Jean-Pierre Papin, a Dinamarca venceu com um golo do suplente Lars Elstrup e qualificou-se para as meias-finais.

Era a poderosa Holanda que se seguia e onde alinhavam nomes como Ruud Gullit, Van Basten e Dennis Bergkamp. Depois de um emocionante 2-2, os dinamarqueses não falharam nenhum penálti, Peter Schmeichel defendeu o de Van Basten e já faziam história ao alcançar a final da competição.

A favoritíssima Alemanha – que juntava à equipa campeã do mundo em 1990 um talento proveniente do recém-unido Leste, Matthias Sammer, – tinha tudo para vencer a surpresa do Europeu. Mas os deuses do futebol já tinham escolhido o desfecho e a Dinamarca marcou dois golos sem resposta.

Do Euro à segunda divisão

A “ressaca” da noite de Gotemburgo veio apenas dois meses depois, no primeiro jogo da qualificação para o Mundial de 1994, um empate a zero contra a Letónia. Seguiram-se mais dois nulos e a magia dos dinamarqueses parecia ter finalmente acabado. “Um treinador é julgado pelas suas performances mais recentes”, afirmava Moller Nielsen na altura.

Falhado o apuramento para o Mundial dos EUA, os últimos cartuchos foram jogados durante a Taça das Confederações de 1995, com uma vitória da Dinamarca frente à Argentina na final.

O Europeu de 1996 em Inglaterra ditou o fim do apogeu. Preparada para defender o título, a Dinamarca não passou sequer do grupo, conseguindo apenas um empate contra Portugal e uma vitória frente à Turquia. Um ano antes, Moller Nielsen tinha sido nomeado Cavaleiro da Ordem de Dannebrog pelo rei dinamarquês, como reconhecimento do seu trabalho na selecção.

O falhanço do Euro 96 significou também para Moller Nielsen o fim da sua era à frente da Dinamarca. Depois disso, tentou replicar o sucesso no comando das selecções da Finlândia e de Israel mas falhou sempre a presença em fases finais.

Pelo meio, o treinador esteve perto de passar por Portugal, quando Luís Tadeu o apresentou como a sua escolha para o banco do Benfica caso vencesse as eleições para a presidência. Acabou por ser Vale e Azevedo o eleito e, com ele, veio o escocês Graeme Souness.

Moller Nielsen terminou em 2003 a sua carreira à frente do modesto Kolding da II Divisão, já bastante afastado dos grandes palcos. A federação dinamarquesa tinha prevista uma cerimónia para 1 de Março em que iria juntar o nome de treinador ao seu Salão da Fama.

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