Portugueses fazem mais exames médicos do que os recomendados

Estudo alerta para os riscos associados à realização excessiva de exames. A responsabilidade não é só dos utentes: os médicos também estão a utilizar em demasia os meios complementares de diagnóstico

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Na própria cidade de Leiria, o rastreio será no Mercado Sant'Ana no segundo domingo de cada mês Daniel Rocha

Prevenir nem sempre é o melhor remédio. A mensagem é contrária à “percepção cultural” enraizada na sociedade portuguesa, mas começa a ser defendida cientificamente: “Nós, comunidade médica, contribuímos para criar esta ideia de que quanto mais exames médicos e [mais] vigilância melhor e na realidade nunca se passou a mensagem de que quando nos submetemos a exames médicos corremos riscos.”

Os danos causados por um rastreio excessivo são variáveis consoante o tipo de exame realizado, e vão desde a detecção de falsos positivos, o risco de detectar problemas sem importância clínica real e mesmo a realização posterior de tratamentos desnecessários.

A balança é de difícil equilíbrio, mas um grupo de investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) veio mostrar, com um estudo agora publicado na revista científica PLOS ONE, que a percepção dos portugueses ­– utentes e médicos – em relação ao número de exames médicos que deve realizar é errada. Fazemos mais exames e com maior frequência do que os previstos nas recomendações nacionais e internacionais, concluíram os investigadores.

Os “resultados surpreendentes” mostram que 99,2% dos portugueses acreditam que devem fazer análises gerais a cada 12 meses e que 87,4% as faz mesmo nessa periodicidade, mesmo que não existam recomendações nesse sentido, explanou Carlos Martins, primeiro autor do estudo feito com uma amostra representativa de mil portugueses com mais de 18 anos.

Para o investigador, os portugueses fazem “um número excessivo de exames complementares de diagnóstico” sem ter em conta que “submeter-se a exames médicos é expor-se a riscos”. “No futuro quando convidarmos as pessoas para fazermos determinados exames médicos e rastreios vamos ter de começar a passar a mensagem de que ao submeter-se a este exame tem alguma probabilidade de benefício mas tem também alguma probabilidade de dano associado”, defendeu esta quarta-feira, durante a apresentação do estudo na FMUP.

O trabalho dos investigadores não põe em causa a importância da medicina preventiva mas evidencia a necessidade de alcançar um meio termo, alertando não só os utentes como a própria comunidade médica para o uso excessivo de meios complementares de diagnóstico.

Se num período de dez anos forem rastreadas com mamografia 2000 mulheres, evita-se a morte de uma dessas mulheres, mas são feitos dez diagnósticos desnecessários e dados 200 falsos positivos. Da mesma forma, se num período de 11 anos forem rastreados 1055 homens com análise do PSA (Antigénio Específico da Próstata), evita-se que um homem morra com cancro da próstata mas 37 homens saudáveis são rastreados desnecessariamente com danos óbvios: possibilidade de ter disfunção eréctil, incontinência e ainda dano psicológico.

A percepção da necessidade de realizar exames médicos nem sempre é a correcta, salientou Carlos Martins: por exemplo, 67,8% dos portugueses sem qualquer historial familiar de cancro do pulmão consideram que devem fazer um raio X pulmonar, em média, de 15 em 15 meses.

A iniciativa de fazer estes exames considerados desnecessários é da responsabilidade do doente em 36,9% dos casos, mas recai sobre os profissionais de saúde 31,1% das vezes e resulta de mútuo acordo em 28,2% das situações.
 

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