Sardinha portuguesa recupera rótulo de sustentabilidade

Selo internacional – atribuído em 2010 mas suspenso há um ano – permite acrescentar valor aos produtos, sobretudo no mercado externo.

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Pesca da sardinha está nos mínimos históricos, mas ainda consumimos duas dúzias por segundo no mês dos santos populares Pedro Cunha

Os próximos lotes de sardinhas em lata que saírem da indústria conserveira nacional voltarão a ter um selo a indicar que se trata de um produto sustentável.

A pesca de cerco da espécie em Portugal recuperou um certificado de sustentabilidade que tinha obtido há três anos, mas que fora suspenso no ano passado.

A certificação foi inicialmente atribuída em Janeiro de 2010 pela organização Marine Stewardship Council (MSC), que mantém um programa internacional de rotulagem da pesca sustentável.

A ideia partira da Associação Nacional das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco (AnopCerco), com o objectivo de valorizar o seu produto e tentar chegar a novos mercados. “Foi muito interessante porque foram os pescadores que se juntaram”, comenta Gonçalo Carvalho, presidente da organização Associação de Ciências Marinhas e Cooperação (Sciaena) e coordenador da Plataforma de Organizações Não Governamentais Portuguesas sobre a Pesca (PONG-Pesca). “E não é fácil juntar os produtores desde Olhão até Viana de Castelo. Mas eles conseguiram e concordaram, geriram fundos comuns, candidataram-se e agora administram esta certificação.”

A recente diminuição dos stocks de sardinha tinha levado o MSC a suspender a certificação, em Janeiro de 2012. Depois disso, “tiveram de ser implementadas medidas mais drásticas”, segundo Alexandra Silva, investigadora auxiliar e responsável pela avaliação da sardinha no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

As medidas passaram por um plano de gestão que prevê a recuperação do stock até 2015. O Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território decretou em 2012, de forma excepcional, um período de defeso de 45 dias a cumprir de forma faseada nas três regiões do país. Foi também imposto aos pescadores um limite anual de pesca de 36 mil toneladas, dividido pelos dois semestres de forma diferente: no período entre Janeiro e Maio apenas nove mil puderam ser descarregadas e no segundo semestre o limite foi de 27 mil toneladas de sardinha.

Alexandra Silva afirma que os pescadores estão empenhados em proteger o stock e que até houve “algumas embarcações que pararam voluntariamente”, como ocorreu na Figueira da Foz, que antecipou o período de defeso em cerca de três semanas.

Este ano, “a pedido dos pescadores”, acrescenta Alexandra Silva, o limite de capturas vai ser “distribuído mais equitativamente pelo ano”. Vão-se manter o período de defeso e o limite de descargas anual, o que muda é a quota para o primeiro semestre que sobe para as 12 mil toneladas.
 
Produtores contentes
A situação foi reavaliada numa visita de especialistas do MSC, em Dezembro. O relatório final concluiu que apesar de o stock disponível estar ainda a um nível relativamente baixo, as medidas em curso para a sua recuperação são adequadas. A suspensão da certificação foi, por isso, levantada.

“Estamos contentes”, afirma Humberto Jorge, presidente da AnopCerco. O rótulo de sustentabilidade, segundo Humberto Jorge, permite valorizar os produtos. “No mercado externo, e sobretudo na sardinha transformada, representa um valor acrescentado”, diz.

A frota de pesca de cerco teve um corte de 20 mil toneladas de sardinhas em 2012, mas o aumento dos preços médios compensou a redução nas capturas. No entanto, é preciso maior quantidade para manter a indústria conserveira nacional. A AnopCerco espera que as sardinhas recuperem a sua abundância, de modo a que se volte a pescar uma média de 55-60 mil toneladas por ano.

A certificação do MSC impõe vários compromissos às organizações de pesca, sujeitando-as a controlos pormenorizados. Segundo Humberto Jorge, para manter o rótulo é preciso dar “garantias de que não vamos explorar o recurso de forma selvagem, até à sua exaustão”.

O último relatório do MSC aponta como proactiva a resposta encontrada pela AnopCerco, no seu trabalho com as instituições governamentais, para a recuperação do stock. O documento reforça ainda a ideia de que não existe sobreexploração na pesca da sardinha.

“[São peixes que] têm um modo de vida mais ‘oportunista’, digamos assim”, explica Lino Costa, biólogo no Instituto de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Ou seja, mesmo sendo muito pescados, também produzem muitos juvenis todos os anos.” E não demoram muito tempo até estarem prontos para se reproduzirem.

O que causa o aumento ou diminuição da quantidade de sardinha nas águas nacionais não é a sobreexploração, mas sim as flutuações naturais. “Há anos maus de recrutamento e há anos muito bons. E é isso que influencia a abundância da sardinha ao longo do tempo”, diz Lino Costa.


“Mas, se numa espécie que dure seis anos e que demore dois anos a reproduzir-se houver seis ou sete anos maus de reprodução, o stock [de peixe] acaba por desaparecer”, completa o biólogo. E é isso o que tem acontecido com a sardinha.

Segundo informações publicadas no fim do mês de Maio na página da AnopCerco, que é responsável por mais de 95% dos desembarques de sardinha, “esta situação é cíclica neste tipo de recurso e tem a sua origem na sucessão de fracos recrutamentos de juvenis que se verificaram nos últimos seis anos, para os quais, crê-se, contribui a infeliz conjugação de diversos factores climáticos”.

“Tradicionalmente são espécies que muitas vezes têm deslocações de biomassa”, acrescenta Gonçalo Carvalho. Um dos factores que trazem à costa portuguesa cardumes de peixes pelágicos é o fenómeno conhecido pelo termo inglês upwelling, que consiste na subida de águas profundas, carregadas de nutrientes e que geram volumes enormes de fitoplâncton. “Depois vem a peixada toda atrás”, diz Gonçalo Carvalho. 
 

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