Formas planas

 

Os leitores que me desculpem o descaramento, mas eis, em três palavras, uma teoria geral da evolução da expressão plástica: plano, profundidade, movimento. Arte planiforme, arte tridimensional (fingida ou verdadeira, tanto faz), arte com movimento.

Da arte planiforme, existente em determinada fase da evolução da expressão plástica de todas as pessoas consideradas individualmente, e nas culturas humanas de todas as épocas e lugares, vemos aqui uma peça portuguesa do século XIV, pertencente ao Museu Machado de Castro em Coimbra: a lápide funerária de Bartolomeu Joanes, uma das mais interessantes obras de um museu rico em escultura. A expressão da lápide, cujo autor não conhecemos, é idêntica à de muitas obras provenientes de culturas de todo o mundo na mesma fase de evolução, da América ao Extremo Oriente.

O escultor deu mais peso a um dos lados da composição, através do balancear do turíbulo com que um anjo espalha incenso no ar e da figura de Bartolomeu Joanes, de mãos postas ao alto. As pregas das roupagens, a rotundidade do turíbulo, os rostos parcialmente virados para nós de todas as figuras, com excepção da Virgem coroada, são elementos que representam o esforço do artista para libertar a sua representação do plano.

Na época e no lugar em que esta peça foi produzida, a expressão plástica tinha passado em tempos anteriores pela fase da profundidade, e estava então de novo nessa fase noutros lugares do mundo e da Europa, incluindo Portugal. Recorde-se apenas o caso notável dos túmulos de Pedro e Inês em Alcobaça, também do século XIV. Penso, contra as mais populares teorias da arte vigentes hoje em dia, que há uma lógica no desenrolar da expressão plástica individual e colectiva ao longo do tempo (é evidente que tal evolução não é síncrona nem irreversível através da geografia e da história). Penso também que é frequente não haver correspondência entre a vontade-de-forma de uma época ou sociedade e as capacidades de um artista. O escultor que serviu a família de Bartolomeu Joanes não pôde fazer mais do que aquilo que vemos na lápide. Mas, dentro das suas possibilidades, chegou tão perto das três dimensões quanto ambicionavam ele próprio e quem nele confiou.

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