Comentário: O Bloco perdeu a ligação à terra

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Francisco Louça deixa o Parlamento nesta quinta-feira

O Orçamento do Estado para 2013 vai ser discutido sem Francisco Louçã na bancada do Bloco de Esquerda. Isso significa que chegou ao fim o tempo em que ministros das Finanças e primeiros-ministros olhavam cautelosos para o lado esquerdo do hemiciclo, sem saber o que viria dali quando Francisco Louçã falasse.

Sou avesso a endeusamentos e adulações pessoais e imune à cultura bloquista. Além disso, o estilo enfático e moralista do líder bloquista tirou-me sempre do sério.

E, na sua declaração de saída, Louçã orgulha-se de inúmeras mudanças dos últimos anos, da despenalização da toxicodependência ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Só que muitas dessas mudanças não foram apenas obra de Francisco Louçã nem existiram por causa dele. Por muito que o Bloco tenha contribuído para lançar muitos temas ditos fracturantes na sociedade portuguesa.

Mas Louçã apresentou-se sempre mais bem preparado e mais livre do que os outros. E isso tornava mais nítida a banalidade média do Parlamento.

A sua competência académica era indiscutível e respeitada. E os deputados do PS nunca dirão certas coisas do PSD e vice-versa. Louçã pensava pela sua cabeça. Era sobretudo essa capacidade de incomodar o poder que o cidadão comum encontrava nele.

De Manuela Ferreira Leite a Passos Coelho, passando por José Sócrates ou Teixeira dos Santos, o momento mais duro das viagens ao Parlamento era quase sempre quando enfrentavam o coordenador do Bloco.

O protagonismo parlamentar de Louçã foi essencial para o Bloco rasgar horizontes eleitorais que entretanto tornaram-se mais curtos. A sua preparação e a sua combatividade permitiam-lhe ultrapassar barreiras ideológicas e chegar a quase toda a gente.

Não há pessoas insubstituíveis. Mas Francisco Louçã era a ligação à terra do Bloco de Esquerda. É duvidoso que volte a ter outra igual.

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