Arguido alega que roubo do Códice Calixtino foi encomendado

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O Códice esteve exposto ao público durante uma semana e foi novamente guardado no cofre da Catedral Reuters

O misterioso caso do Códice Calixtino, um guia dos Caminhos de Santiago do século XII que fora roubado há um ano da catedral de Compostela, continua por desvendar e ganha cada vez mais contornos de um filme. Depois de em Julho ter sido recuperado em bom estado na garagem de um ex-trabalhador da catedral, que alegou ter agido por vingança após ter sido dispensado, o caso ganha novos contornos depois de o mesmo homem ter garantido ao juiz que tudo não passou de um pacto com o deão da catedral, José María Díaz, e um “outro administrador”.

As declarações de Manuel Fernández Castiñeiras, que durante 25 anos trabalhou como electricista na catedral, e que desde Julho está detido pelo roubo do Códice, já são de Agosto mas só hoje é que foram reveladas pelo El País, que teve acesso aos documentos da sessão.

Na sua última apresentação ao juiz, o electricista confessou que de facto foi o autor do roubo mas que tudo estava combinado com alguns responsáveis da catedral. A ideia era que numa data depois combinada, o livro voltaria ao seu lugar sem que nada lhe tivesse acontecido. Em troca, Castiñeiras receberia uma compensação financeira e as atenções viravam-se para Santiago, que em ano de poucas celebrações tinha agora mais um forte motivo para atrair turistas.

A verdade é que desde que o Códice Calixtino foi roubado que Santiago de Compostela tem estado sob grande foco. A exposição da obra ao público, na semana passada, é a prova disso mesmo. Inicialmente pensada para apenas quatro dias, os responsáveis da Catedral viram-se obrigados a prolongar a mostra devido à grande adesão do público.

No entanto, segundo uma fonte próxima do caso citada pelo El País, as alegações de Castiñeiras não devem surtir grande efeito na investigação. Castiñeiras é “ um conflituoso e as suas declarações não fazem nada”, disse a mesma fonte ao jornal espanhol, explicando que o antigo electricista pode ver a sua pena reduzida se colaborar mas será difícil provar que existiu um pacto entre este e responsáveis da catedral.

Além disso, o facto do arguido ter apresentado duas versões diferentes do caso não ajuda na sua defesa. Quando Castiñeiras foi detido em Julho confessou o crime e justificou-se com um “ajuste de contas”, acusando a administração da catedral de lhe ter ficado a dever dinheiro, depois de o ter despedido. O oposto do que defende agora.

No entanto, pessoas próximas ao electricista lembram que o homem sempre manteve uma relação muito próxima com os responsáveis da igreja, inclusive o deão, responsável pelo Códice, e foi sempre muito religioso. Mesmo durante o tempo em que o Códice esteve desaparecido, Manuel Fernández Castiñeiras continuou a frequentar a catedral e a assistir às missas. As mesmas pessoas que falaram com o El País suspeitam que têm existido pressões para que o electricista não espere pelo julgamento em liberdade, evitando que possa apontar mais culpados.

Só quem conhecia a Catedral podia ter roubado o livro

O Códice Calixtino, ou Codex Calixtinus, é um livro do século XII e tem um valor incalculável. O manuscrito estava guardado numa caixa forte no arquivo da catedral e o seu desaparecimento tinha sido considerado um dos mais graves cometidos contra o património histórico e artístico espanhol. Na altura não foram adiantadas muitas informações mas a polícia suspeitava que o crime tinha sido cometido por alguém que conhecia muito bem o espaço e que tinha acesso ao arquivo da catedral, que é restrito, uma vez que não existiam sinais de arrombamento.

Até ao roubo, o Códice Calixtino apenas tinha saído por duas ocasiões da catedral, mas nunca de Santiago da Compostela. Depois destas duas saídas, a Catedral optou por expor uma reprodução da obra, protegendo o original na caixa forte.

O Códice Calixtino descreve pela primeira vez os detalhes de várias das rotas do Caminho de Santiago, com informação sobre alojamento, zonas a visitar, património e objectos de arte que podem ser conhecidos. Um relato que, nove séculos depois, continua a ser citado e ainda serve de referência para alguns dos locais percorridos pelos peregrinos.

Elaborado entre 1125 e 1130 – depois manuscrito em 1160 – o texto ficou maior do que o inicialmente previsto, acabando por contar com participações dos principais escritores, teólogos, fabulistas, músicos e artistas da época, tendo que ser dividido em cinco livros e vários apêndices, entretanto reunidos, já no século passado, num único volume.

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