Freeport: testemunhas continuam a dizer que nunca ouviram falar em subornos

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Júlio Monteiro, tio de Sócrates, é a próxima testemunha no julgamento do Freeport Pedro Cunha

As duas sessões do julgamento do caso Freeport realizadas nesta terça-feira voltaram a ser marcadas por depoimentos extremamente rápidos e sem aparente relevância para o apuramento da verdade.

As três testemunhas ouvidas – uma de manhã, por videoconferência, e duas à tarde – não tomaram mais do que trinta minutos aos quatro magistrados que estão a fazer o julgamento em regime de exclusividade. E todas elas se ficaram por respostas curtas às poucas perguntas que lhes foram feitas.

Sendo certo que a advogada dos arguidos Manuel Pedro e Charles Smith – que estão acusados de tentativa de extorsão dos promotores ingleses do outlet de Alcochete – tem procurado que o representante do Ministério Público se cinja aos factos da acusação, não é menos verdade que o procurador Vitor Pinto também não se tem mostrado particularmente incisivo, com excepção do primeiro dia do julgamento.

Na sessão desta manhã, o arquitecto Rui Braga, sócio-gerente da empresa T5, responsável pelo pedido de informação prévia apresentado à Câmara de Alcochete ainda antes de a Freeport ter adquirido os terrenos da antiga fábrica de pneus Firestone, limitou-se a negar que a sua firma tivesse contactos com o Governo que veio a provar a vertente ambiental do projecto, e a garantir que nem ele nem os seus sócios eram membros do PS.

Ligações partidárias reconheceu, pelo contrário, António Pereira, uma das duas testemunhas ouvidas da parte da tarde, que foi o primeiro contabilista da sociedade de consultoria constituída pelos dois arguidos, a Smith & Pedro, em Julho de 2000.

A testemunha confirmou, em resposta ao Ministério Público, ter desempenhado aquelas funções até meados de 2002 e ter sido eleita pelo CDS para a Assembleia Municipal de Alcochete nas eleições de Dezembro de 2001.

Embora haja nos autos documentos em que Charles Smith pede à direcção da Freeport (que respondeu negativamente) um total de 3900 contos (cerca de 19.500 euros) para apoiar as campanhas do PS (3000 contos), do PSD, da CDU e do CDS (300 cada), nessas eleições, António Pereira garantiu que nada recebeu, que nunca ouviu falar em tais pedidos e que foi ele próprio quem financiou em 200 contos a campanha do seu partido. Sobre pagamentos a políticos para facilitar o licenciamento do projecto ou pedidos de dinheiro para esse efeito, o contabilista disse igualmente nada saber.

Quanto às dúvidas levantadas no decurso da investigação e na própria acusação quanto ao destino e origem de algumas verbas que passaram pelas contas bancárias da S&P, nomeadamente em numerário, e ainda que tais dúvidas incidam sobretudo no período em que a testemunha já não trabalhava para a empresa, nada lhe foi perguntado nem pelo Ministério Público, nem pelos juízes.

Confrontado pelos jornalistas com algumas dessas questões, no exterior do tribunal, António Pereira disse apenas que os pagamentos e levantamentos em numerário são “normais” nas empresas e acrescentou: “Não compreendo esta acusação de tentativa de extorsão.”

Também interrogada sobre eventuais entregas de dinheiro aos arguidos para “pagamentos de favores” e apoios a partidos políticos, Helena Riahi, que assumiu as funções de directora financeira da Freeport portuguesa em 2004, assegurou apenas que tais informações nunca chegaram ao seu conhecimento. A testemunha admitiu que antes de entrar ao serviço da empresa tivessem sido feitos pagamentos com base em “facturas pró-forma”, mas que tais facturas foram depois transformadas em definitivas. Até 2004, altura em que a Freeport portuguesa passou a ter uma equipa de gestão própria, afirmou, os pagamentos “eram normalmente autorizados” pelo presidente do grupo Sean Collidge, pelos administradores Gary Russel e pelo adminsitrador financeiro Peter Wooley.

Em resposta aos juízes adiantou que os contratos entre a Freeport e a S&P estabeleciam pagamentos de acordo com os objectivos atingidos; que Manuel Pedro foi administrador da Freeport portuguesa até 2007 e que a S&P cessou a sua colaboração com a Freeport em 2007.

O julgamento prossegue na sexta-feira às 9h30, no Tribunal do Barreiro, com a audição da testemunha Júlio Monteiro, o tio de José Sócrates que no decurso da investigação afirmou ter posto Charles Smith em contacto com o sobrinho, então ministro do Ambiente, para ajudar a resolver o impasse em que o licenciamento do projecto se encontrava no final de 2001.

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