Ester

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Imagine-se Twin Peaks não como povoação de 51201 habitantes perdida no coração americano, mas antes como povoação de 51201 habitantes perdida na cintura industrial de uma cidade inglesa ou escocesa escolhida por sorteio. As mesmas guitarras sem tempo nem lugar de Angelo Badalamenti, rodeadas por delírios dream pop e shoegazers de Kevin Shields e os seus My Bloody Valentine, mais a voz etérea que Rachel Goswell emprestava aos Slowdive sempre que a deixavam.

A diferença, notória, é que numa altura em que a categorização de novas sonoridades se faz ou por contracção de designações distintas ou por uma infindável sequência de hífenes, a dream pop segundo Jimmy Lee e Suzanne Aztoria é uma zona mais pantanosa e lodosa do que antes. Onde nos anos 90 existia uma saturação de electricidade que obrigava a afastar a distorção à custa da força de braços para se descobrir a beleza melódica instrumental - camuflada de tão abrasiva que era -, Jimmy Lee desenvolve agora uma linguagem equilibrada em arpejos celestiais e quase barrocos em loop e numa constante e subtil dinamitação da canção. A voz resiste no centro, bela, melancólica e de uma magnificência desfalecida, enquanto à sua volta vão rebentando pequenos artifícios que nos dizem que esta beleza é uma opção no fio da navalha e, se quisessem, os Trailer Trash Tracys poderiam destruí-la num nanossegundo. E para nos lembrar disso a toda a hora, o falso quarteto (é, no fundo, um duo aumentado de dois músicos “convidados”) adopta uma constante postura de provocação (rítmica, de andamentos e de construção) - se as canções não caem, é só porque eles sabem perfeitamente o que lhes podem arremessar. Uma das melhores estreias que vamos ter em 2012.

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