"The Daily": não é carne, nem é peixe

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Rupert Murdoch com o seu novo The Daily debaixo do braço Brendan McDermid/Reuters

Fomos espreitar o primeiro jornal exclusivo para o iPad, The Daily. É lúdico e informativo. Não maça, nem é muito profundo. Parece uma revista mas o tempo de leitura é o de um jornal. Além disso, o seu conteúdo desaparece do tablet da Apple para sempre no dia seguinte.

“Isto é um jornal?”, interroguei-me quando descarreguei o primeiro número do The Daily, lançado pela News Corp, de Rupert Murdoch, exclusivamente para o tablet da Apple. “Parece uma revista”, pensei logo a seguir. Não fui a única. Pelas reacções que têm aparecido na Internet muitos leitores sentiram o mesmo. A nova publicação do dono da cadeia Fox e de jornais como o The Wall Street Journal e o The Times é um híbrido. Tem a aparência de uma revista mas o tempo de leitura é o de um jornal.

Os artigos mudam todos os dias. A edição costuma estar disponível às 11h da manhã de Portugal. Se hoje não se guardar o que se quer ler mais tarde, amanhã já não estará disponível. The Daily não fica guardado na nossa biblioteca, como acontece com outras publicações que já estão disponíveis para serem lidas no iPad. No caso de se querer guardar algum artigo para ler depois é preciso clicar no símbolo do clip que aparece no final das páginas.

Na apresentação desta publicação há três dias, em Nova Iorque, Rupert Murdoch disse que o que quer com este projecto é que faça pensar, faça sorrir e faça com que as pessoas se envolvam nas histórias que marcam o dia.

The Daily

cobre a actualidade - as tais notícias do dia - e por isso nestas primeiras edições o destaque tem sido dado ao que se passa no Egipto, onde têm um enviado especial.

Na capa do The Daily de hoje lê-se a palavra "Revolução". Atrás dela há uma fotografia pode ser vista a 360º quando tocamos com um dedo no ecrã do iPad. Temos a sensação de estar na Praça Tahrir, no Cairo, a olhar à nossa volta, para todos os lados.

Ontem fizeram uma reportagem por causa das tempestades de neve que estão a transtornar a vida dos norte-americanos e têm uma intensidade como já não se via há décadas no país. A fotografia movia-se e a fila de carros e camiões parados na neve parecia infinita.

Os textos são sempre curtos. Às vezes, os artigos têm três páginas de fotografias e só uma de texto. Mas as histórias são abordadas de várias maneiras. Lê-se o texto e a seguir, vê-se o vídeo. As reportagens escritas a partir do Egipto têm sido acompanhadas por vídeos e também por relatos áudio feitos pelo jornalista Joshua Hersh que está no Cairo.

Ninguém se maça ao ler The Daily. Nada é em demasia. Também nada é de uma profundidade extrema. A publicação está dividida por várias secções: Notícias, Fofocas, Opinião, Artes & Vida, Aplicações e Jogos e Desporto. Dizem que o jornal descarregado de manhã poderá ter actualizações ao longo do dia. Ainda não me apercebi de nenhuma apesar de me ter inscrito para receber notificações de última hora. Um sistema carrossel, em que as páginas vão passando à nossa frente no ecrã e assim podemos escolher e tocar com o dedo naquilo que nos apetece ler é o ponto de partida para a leitura do The Daily.

A secção de Desporto é a mais interactiva de todas. O leitor pode definir a equipa que quer acompanhar, participar em sondagens, consultar "team tweets", ficar a saber quando se realiza o próximo jogo, ver as últimas notícias relacionadas com a equipa, etc. Todos os dias várias páginas do The Daily são dedicadas ao desporto e campeonato norte-americano, mas o Super Bowl acontece este fim-de-semana.

Parte da revista também é dedicada às Fofocas e notícias do showbizz, Richard Johnson envia todos os dias notícias de Los Angeles. Há galerias de fotos, notícias curtas, outras maiorzinhas, mas não em demasia (como já se disse). Tudo lúdico e interactivo.

Na secção Aplicações e Jogos, dão conselhos. Anteontem trataram de aplicações que servem para tratar, organizar e até (surpresa!) tirar fotografias no iPad. Além de uma descrição e do preço, há o link para a loja do iTunes. Todos os dia alguém conhecido (um cantor, um realizador, etc) diz-nos o que gosta no seu iPad. A fotografia do convidado é paginada dentro do tablet da Apple e os ícones das cinco aplicações preferidas aparecem listadas ao lado, com uma pequena explicação. Mas o mais divertido de tudo são as palavras cruzadas. Preenchidas com a ajuda do teclado do tablet, têm um miraculoso botão onde podemos tocar , é o “autosolve” e as palavras cruzadas aparecem feitas! O mesmo acontece no jogo Sudoku. Quem joga fica automaticamente ligado ao Game Center (do iPad), onde aparecem as pontuações de outros jogadores.

Quando nos inscrevemos no The Daily, que para já só está disponível na app store, do iTunes dos Estados Unidos e é gratuito até 17 de Fevereiro (com o apoio da Verizon), pedem-nos o nosso signo do Zodíaco. Depois, todos os dias, temos o horóscopo personalizado.

Na edição de ontem do The Daily era possível ouvir um resumo áudio da entrevista que fizeram com a congressista Gabrielle Giffords antes de ela ter sido alvejada. Acompanhava a leitura da reportagem sobre a sua recuperação e num vídeo, filmado antes do crime, ela fala do iPad e conta como mudou os métodos de trabalho desde que tem um. No texto, assinado por Elizabeth Saab, ficamos a saber que a democrata tem usado o seu “gadget preferido” para ver fotografias no hospital, acto que o seu neurologista considera ser um grande avanço na recuperação. Como se percebe, a atenção dada editorialmente pela publicação ao tabletda Apple e às aplicações do iTunes tem sido recorrente em todas as edições. Os temas de sociedade têm sido ilustrados e acompanhados por infografia. Ontem, contavam como os "amish" têm feito sucesso a vender em Nova Iorque leite não pasteurizado (proibido por causa do perigo de salmonelas).

Nem todos os dias é publicado o editorial - não assinado - mas os artigos de opinião ocupam um espaço digno e são variados. Por exemplo, ontem no final do artigo de opinião de Will Wilkinson, que tem um blogue sobre política norte-americana na The Economist, era possível clicar num link e ver o PDF de um estudo sobre Imigrantes e o Mercado de Trabalho na Califórnia (1960-2005), que era também o tema da crónica.

A secção Arte e Vida é a que parece ser mais miserável. Ontem a notícia principal era a separação do grupo The White Stripes com fotografias giríssimas que podiam ser vistas numa galeria. Hoje em destaque está Natalie Portman e o filme "The Other Woman". É possível ver o vídeo do trailler e toda a publicação, está intercalada de publicidade a carros e a filmes. Em nenhum dia vi notícias sobre outras artes que não fossem o cinema ou a música. As críticas que existem, são poucas, e só a filmes. Não há livros, não há teatro, não há artes plásticas ou arquitectura. No primeiro dia falou-se de moda e todos os dias têm aparecido uma secção parecida com um shopping habitual nas revistas de moda.

Em todos os textos, galerias de fotografias e vídeos é possível deixar comentários áudio e ouvir o que os outros leitores lá deixaram. Esta função do áudio é muito divertida e inovadora. Se determinado artigo for partilhado pelo leitor do The Daily no iPad, nas redes sociais (Facebook ou Twitter ) ou se for enviado por email para um amigo é possível lê-lo e ver o vídeo que o acompanha, por exemplo, mas a publicação não terá um "site" com os seus conteúdos. Claro que já houve quem descobrisse como contornar isto. Lembrou-se de indexar todos estes links que aparecem quando se partilham os arquivos da publicação no Twitter num site e disponibilizou-os. Por isso no segundo dia o conteúdo do The Daily já estava disponível no site The Daily Indexed (http://thedailyindexed.tumblr.com/). Mas a experiência de ler a publicação no iPad ou neste "site" não é a mesma.

O que se perde? Por exemplo, o vídeo diário em que uma jovem loira apresentadora, filmada como se fosse o pivot de um telejornal, dá as boas vindas aos leitores e resume todos os artigos que podem ser lidos nesse dia no The Daily.

Notícia corrigida às 14h43 de 7 de Fevereiro
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