Maioria das mulheres aborta no pico da fertilidade e não tem filhos

Entre as mulheres que recorreram, por opção, a uma interrupção voluntária da gravidez (IVG) no ano passado, 65,23 por cento tinham entre 20 e 34 anos e 39,78 por cento não tinham qualquer filho.

Os dados constam de um relatório divulgado hoje pela Divisão de Saúde Reprodutiva da Direcção-Geral de Saúde (DGS), segundo o qual o número de mulheres que abortou em 2008 e em 2009, respectivamente 18 014 e 18 951, é inferior às estimativas anteriores à legalização da prática, que apontavam para as 20 mil interrupções anuais.

O relatório informa igualmente que 96,83 por cento dos abortos foram realizados por opção da utente, possibilidade introduzida com a lei que despenalizou a IVG até às 10 semanas. Nos casos em que a intervenção já era permitida, nomeadamente doença grave ou malformação do feto, perigo de morte ou de grave lesão para a saúde físico-psíquica da mulher, e gravidez resultante de violação, as percentagens são, respectivamente, de 2,6 por cento, 0,4 por cento e 0,08 por cento.

Os estabelecimentos de saúde de Lisboa e Vale do Tejo têm 54,53 por cento dos registos (10 672 casos). No extremo oposto, os Açores registam apenas 59 casos.

Por classe etária, a maior incidência da prática situa-se entre os 25 e os 29 anos, com 4361 abortos (22,28 por cento), enquanto a menor percentagem, apenas três mulheres, tomaram esta opção com idade igual ou superior a 50 anos.

O sector público é o mais procurado para realizar a intervenção, com 69,23 por cento (13 549 casos de IVG).

Já dos 18 951 abortos realizados por opção da mulher (ou seja, quando a gravidez não decorre de violação nem coloca em risco a vida da mãe ou do bebé), 15 656 (82,61 por cento) foram praticados em cidadãs portuguesas, em boa parte residentes no distrito de Lisboa (6868). Por contraponto, entre as residentes no distrito de Portalegre registaram-se somente 112 casos.

No que respeita ao grau de instrução das utentes que optaram pela IVG, a maioria (6105) tem o ensino secundário e, no que concerne à situação laboral, surgem à cabeça as trabalhadoras não qualificadas (3591), seguidas de perto pelas estudantes (3374) e pelas mulheres desempregadas (3245).

O relatório da Direcção-Geral de Saúde indica ainda que as mulheres que praticaram aborto por opção foram, em 39,91 por cento dos casos, encaminhadas pelo centro de saúde.

O documento revela igualmente que 15 003 mulheres (79,17 por cento) nunca tinham realizado um aborto antes e que 12 631 (66,65 por cento) o concretizaram com recurso a medicamentos.

Ainda segundo o relatório hoje difundido, das cerca de 19 mil mulheres que realizaram uma IVG em 2009, 4,7 por cento já tinham recorrido ao aborto em 2008 e 1,8 por cento fizeram duas interrupções no mesmo ano.

Reportando-se ao facto de 14 das 92 mortes maternas registadas entre 2001 e 2007 - ano em que entrou em vigor a despenalização do aborto até às 10 semanas de gravidez - estarem associadas a uma situação de IVG, a DGS revela que, apesar de ainda não estarem disponíveis dados referentes a 2008 e 2009, “a análise preliminar aponta para que não tenham existido mortes relacionadas” com a prática de aborto, legal ou ilegal.

Para o presidente do colégio de obstetrícia da Ordem dos Médicos, Luís Graça, o número de mulheres que abortaram no ano passado em Portugal demonstra a falta de uma política de prevenção da gravidez indesejada. “Tudo isto significa que continuamos a não ter verdadeiramente uma política de prevenção da gravidez indesejada, nomeadamente com o ensino sistematizado da anticoncepção”, afirmou.

O obstetra defende um “envolvimento muito directo de profissionais que estejam dedicados” ao esclarecimento sobre os métodos anticoncepcionais: “É necessário que haja algo estruturado para tentarmos diminuir o número de abortos, para que estas mulheres recorram cada vez mais à anticoncepção e não ao aborto como método anticonceptivo”.

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