Bispos e clero foram precursores da separação Igreja-Estado, defende livro

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Autor defende que foi o arcebispo de Évora quem manifestou a Teófilo Braga e Afonso Costa abertura da Igreja para rever o estatuto de que gozava na Monarquia Nelson Garrido (arquivo)

Os verdadeiros precursores da separação entre o Estado e a Igreja não foram Afonso Costa e o movimento republicano, mas sim o episcopado e clero português, defende o cónego João Seabra num livro a publicar quinta-feira, intitulado “O Estado e a Igreja no início do século XX”.

A obra é uma versão reduzida da tese de doutoramento canónico que o sacerdote defendeu em Janeiro de 2008 na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma. “É o meu contributo para se conhecer melhor aquele período. A História da República tem muitos protagonistas e muitas visões. Nesta altura em que se prepara a comemoração do centenário da República, estão a ser publicados muitos documentos, o que é muito bom para se perceber melhor o que se passou”, disse à Lusa o cónego João Seabra.

A ideia para a tese surgiu de uma afirmação proferida por “uma alta individualidade da Igreja Católica portuguesa”, que não quis identificar, segundo a qual a Lei da Separação de 1911 tinha sido boa para a Igreja. “Como não concordei com a afirmação, decidi ir estudar a questão a fundo”, acrescentou.

Na tese recorda que foi o próprio arcebispo de Évora da altura, D. Augusto Eduardo Nunes, quem manifestou a Teófilo Braga e a Afonso Costa, seus colegas estudantes em Coimbra, abertura da Igreja para rever o estatuto de que gozava na Monarquia e “que não se podia manter”.

No entanto, disse, Afonso Costa fez proclamar uma Lei da Separação “radical”, levando a uma “perseguição sistemática e impiedosa” da Igreja, sobretudo nos primeiros seis meses, com “esbulho do património, proibição de culto e ingerência do Estado”.

Essa ingerência, segundo o cónego João Seabra, reflectia-se, entre outros aspectos, na criação de comissões culturais, controladas pelo Ministério da Justiça, que definiam os templos que poderiam abrir ao culto, e na estipulação de uma pensão para sustento do clero, definida por outras comissões.

Foi na resistência a esta situação de “perseguição legislativa e de rua”, que se prolongou até 1933, que os bispos e os padres de então, através do Protesto Colectivo, deram verdadeiro exemplo da separação entre o Estado e a Igreja, pela posição que assumiram de “independência e não sujeição da vida da Igreja à ingerência do Estado”, sublinhou.

O livro, que aborda também a situação da Igreja em Portugal no período da Monarquia e os primeiros tempos pré-Lei da Separação, acompanha as relações entre a Igreja Católica e o Estado até à Concordata de 1940.

O cónego João Seabra, 60 anos, licenciado em Direito, é actualmente pároco da Encarnação, no Chiado, Lisboa, e exerce as funções de Promotor de Justiça e Promotor do Vínculo do Tribunal Patriarcal de Lisboa, além de Assistente Diocesano do movimento religioso Comunhão e Libertação.

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