Declaração de voto do realizador José Fonseca e Costa

ANÁLISE DO BALANÇO DA SPA DECLARAÇÃO DE VOTO DO COOPERADOR 454

O Balanço da SPA tem três rubricas que estão intimamente articuladas, e que devem merecer a especial atenção dos cooperadores:

1 - Os capitais próprios negativos são da ordem de 13,1 milhões de euros;

2 – Os direitos de autor já cobrados e ainda não pagos, que no Balanço são designados por “Dívidas a fornecedores, conta corrente”, atingem o montante de 41,2 milhões de euros;

3- Os depósitos bancários e obrigações ascendem a 34,2 (33,7+0,5) milhões de euros.

Daqui resulta que os direitos de autor só poderão ser totalmente liquidados se os “fornecedores” - designação eufemísticamente dada no relatório da Direcção aos Cooperadores - acederem a ser reembolsados na ordem dos 70% das importâncias a que tiverem direito, revertendo os 30% remanescentes para a regularização da situação líquida negativa: o saneamento financeiro da nossa Sociedade, exigido pelo modo desastrado como tem sido gerida a SPA nos últimos anos, passa, portanto, pelo investimento dos Cooperadores, como vem claramente expresso no Relatório de Auditoria da Deloitte.

Acresce que o não pagamento dos direitos de autor já cobrados permitiu obter receitas financeiras no valor de 1,4 milhões de euros, pelo que, se não fosse esta receita, o prejuízo do exercício de 2008 subiria de 2,2 para 3,6 milhões de euros. Decorre, da leitura correcta do Relatório e Contas que a Direcção unanimemente subscreve e a Mesa do Conselho Fiscal avalisa, que a SPA está a ser administrada de modo pouco transparente, diria mesmo opaco, sendo a sua acção lesiva dos interesses dos cooperadores. Senão, vejamos:

1- Ao tratar os cooperadores como “fornecedores” está a Direcção a atirar poeira aos olhos dos incautos, dificultando o claro entendimento das contas, além de contribuir para o estabelecimento de uma dicotomia perigosa, que é a que consiste na separação entre a SPA, sociedade de que os corpos gerentes se apresentam como sendo os donos, e a “arraia miúda” - a que chamam displicentemente “os fornecedores” e que somos nós, os Cooperadores, sem cujo trabalho a SPA não existiria.

2- Ao não distribuir pelos Cooperadores as receitas cobradas - fruto do nosso trabalho insano - está a Direcção a consentir que seja administrada a SPA de forma lesiva dos nossos interesses.

O saneamento financeiro da SPA devia ter começado a ser feito desde há um ano, como decorria da análise de todos os documentos que configuravam o Relatório e Contas relativo ao exercício de 2007, de cuja leitura resultava estar a SPA a carecer de medidas urgentes de saneamento financeiro. Esse saneamento não foi feito e verifica-se, um ano depois, um agravamento de tudo aquilo que então já não estava bem.

Há um ano, perante a gravidade da situação, propus nesta tribuna à Direcção e a todos os corpos sociais desta Casa, a imediata constituição daquilo a que chamei “um governo de salvação nacional”. Fizeram ouvidos de mercador.

Não farei a mesma proposta este ano, depois de se ter verificado, uma vez mais, como não dá a Direcção ouvidos a algumas das mais elementares solicitações dos Cooperadores.

Esta Direcção está a levar-nos alegremente para o abismo, mal aconselhada por um Conselho Fiscal titubeante que nem sequer redige em bom português um parecer equivalente ao lavar de mãos de Pôncio Pilatos. Não vos darei o meu voto favorável.

Votarei contra a vossa persistente inconsciência.

José Fonseca e Costa, Cooperador nº 454.


Declaração de voto alerta que SPA já não tem dinheiro para pagar aos autores

Foto
A assembleia da SPA que aprovou o Relatório e Contas Hélder Olino (arquivo)

Um documento subscrito pelos cineastas José Fonseca e Costa, António Pedro Vasconcelos, Jorge Queiroga e Rogério Ceitil – que abaixo transcrevemos na íntegra – questiona a gestão da actual direcção da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), afirmando que “os direitos de autor já cobrados e ainda não pagos (...) atingem o montante de 41,2 milhões de euros”, e que o saneamento financeiro da SPA só será possível se os cooperadores aceitarem prescindir de 30 por cento das importâncias que lhes são devidas.

O texto foi ontem lido por José Fonseca e Costa, como declaração de voto, na assembleia da SPA que aprovou o Relatório e Contas e o parecer do Conselho Fiscal.

As preocupações do realizador não parecem, no entanto, ter sensibilizado os associados presentes, que aprovaram o Relatório e Contas com 119 votos favoráveis, 10 votos contra e 12 abstenções, números bastante semelhantes aos registados na votação do parecer do Conselho Fiscal. Uma vitória expressiva, ainda que o índice de participação dos potenciais votantes – que serão mais de 600 – não o tenha sido tanto.

Quer os documentos ontem aprovados pela direcção, quer a análise das contas da SPA apresentada por Fonseca e Costa baseiam-se no relatório de auditoria da empresa Deloitte & Associados, cujas conclusões parecem permitir leituras bastante diversas.

Segundo a Deloitte, a SPA teria activos no valor de 61.829 milhões de euros, mas os seus “capitais próprios negativos” atingiriam actualmente 13,140 milhões de euros, e, em 2008, o resultado líquido negativo teria sido de 2,189 milhões de euros. E adianta que, a par de outras dívidas menos expressivas, só aos seus “fornecedores” – expressão pela qual são designados os autores que confiam à sociedade a cobrança dos seus direitos –, a SPA deveria 30,247 milhões de euros.

Para Fonseca e Costa, isto demonstra que a SPA não tem dinheiro para pagar o que deve aos cooperadores. “Daqui resulta”, lê-se na sua declaração de voto, que os direitos de autor só poderão ser totalmente liquidados se os “fornecedores” – designação eufemisticamente dada no relatório da Direcção aos Cooperadores – acederem a ser reembolsados na ordem dos 70 por cento das importâncias a que tiverem direito, revertendo os 30 por cento remanescentes para a regularização da situação líquida negativa”.

No penúltimo ponto do seu relatório, a Deloitte afirma, de facto, que “o passivo de curto prazo é superior ao activo corrente” e que “a continuidade das operações da SPA” depende, designadamente, “do apoio financeiro dos cooperadores e das medidas de saneamento financeiro que venham a ser tomadas”.

O presidente da Assembleia Geral da SPA, José Niza, diz que a crise financeira mundial tem afectado as receitas da sociedade, mas acrescenta que a actual direcção, quando entrou em funções em 2003, encontrou a instituição “em pré-falência técnica” e que, desde então, tem conseguido reduzir o passivo. Mesmo em 2008, diz Niza, os resultados teriam sido positivos em 400 mil euros se a SPA não tivesse sido obrigada a cativar avultadas verbas para cobrir indemnizações que estão a ser discutidas em tribunal, e cujos processos a sociedade já perdeu na primeira instância. O exemplo mais relevante é o de Catarina Rebello, filha do anterior responsável da SPA, Luís Francisco Rebello, que será indemnizada em 1,7 milhões de euros, caso a Relação venha a confirmar a sentença do tribunal que julgou o caso.

Niza atribui algum atraso nos pagamentos de direitos já arrecadados pela SPA a dificuldades na instalação de um sistema informático eficaz. “O dinheiro está lá para distribuir”, garante, acrescentando que, após várias tentativas fracassadas, está agora a ser montado um novo sistema informático adquirido à sociedade de autores espanhola, que deverá estar operacional em Julho.

Já Fonseca e Costa, no texto que ontem leu, diz que o não pagamento dos direitos de autor já cobrados permitiu à SPA obter receitas, sem as quais o exercício deste ano ascenderia a 3,6 milhões de euros, e não aos cerca de 2,2 milhões contabilizados.

Pedro Campos, da administração da SPA, explica que a SPA tende a demorar entre seis meses a um ano a pagar os direitos já cobrados, intervalo que deve a questões técnicas, como, por exemplo, a dificuldade em identificar exactamente os beneficiários dos direitos cobrados às televisões, ou a promotores de espectáculos. “Quando se olha para as contas num momento determinado há um montante avultado em trânsito, que está sempre a ser alimentado pela cobrança e a sair pela distribuição”, afirma.

Admitindo que “os números são sempre passíveis de várias interpretações”, Pedro campos considera “demagógica” a leitura de Fonseca e Costa e recorda que o Conselho Fiscal da SPA integra os próprios revisores oficiais de contas (ROCs), entre os quais se conta Manuel Boto, um profissional “muito conhecido e que nos dá muita segurança”.

Sugerir correcção
Comentar