Un Dia

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Ao quarto álbum, a argentina Juana Molina surpreende. Os ingredientes são os mesmos dos anteriores discos - delicados acordes de guitarra, voz introspectiva e utilização moderada de electrónicas - mas os resultados despistam expectativas, com canções feitas de concentrações ondulantes e repetitivas de sons.

Em todos os seus discos existe essa tentativa de dissecar as propriedades de cada canção. Não apenas os ritmos, as melodias, as palavras, mas todas as partículas maleáveis, quase invisíveis, que colidem entre si, se complementam. É uma complexa "bricolage" popfolk aquilo que tem para propor, mas nada convencional, apesar de ser totalmente perceptível. "Encaro os sons como se fossem figuras geométricas que formam desenhos e me dizem o que devo fazer", afirma ela. Faz sentido. Em "Un Dia" as configurações rítmicas e as melodias rodam sobre si próprias, circulando abstractamente para se alojarem, finalmente, em estruturas hipnóticas. A arte da canção, para Juana, é qualquer coisa de plástico e táctil. Não interessa tanto os instrumentos que utiliza, mas os motivos circulares que traçam. Em vez de formas sonoras e vozes articuladas, com princípio, meio e fim, prefere fazer-nos crer que, cada momento, se pode prolongar infinitamente. Como outras cantoras contemporâneas (de islandesa Björk à francesa Camille), movimenta-se nesse terreno ambivalente onde coabita a pulsação primitiva e a linguagem informática, misto de febre tropical, cânticos encantatórios e fluxo infindável de sonoridades encantadas. Ela, modesta, provavelmente detestaria que lho dissessem, mas como os melhores indutores de transe - de John Coltrane a Steve Reich -, a sua música também não visa a perda da consciência, mas sim aceder a um outro nível de clarividência.

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