O compositor György Ligeti morreu aos 83 anos

Foto

O compositor György Ligeti, de nacionalidade austríaca mas de origem húngara, morreu aos 83 anos, noticiou hoje a agência austríaca de notícias citando a sua editora musical alemã, a Schott Music. A editora não precisou o dia e local do seu falecimento.

György Ligeti, que tinha residência em Viena e em Hamburgo (Alemanha), notabilizou-se no movimento musical de vanguarda e compôs, entre outras obras, a ópera “Le grand Macabre”, estreada em 1978 em Graz (Sul da Áustria). É considerado uma das grandes figuras da música europeia do século XX, ao lado de Stockhausen e Pierre Boulez.

Ligeti nasceu em 1923, filho de pais húngaros, na Transilvânia, (região magiar tornada romena em 1920), e refugiou-se na Alemanha, após o levantamento popular anticomunista de 1956.

Estudou e ensinou música na Hungria até 1956, mas depois esteve associado a centros de música em Colónia e Darmstadt (na Alemanha), Estocolmo e Viena.

Entre os seus trabalhos de electrónica estão por exemplo “Artikulation” (1958). No início dos anos 1960, causou sensação com “Future of Music – A Collective Composition (1961) e o seu “Poème symphonique” (1962).

“Future of Music...”, para um conferencista que não fala e audiência, consiste naquele a olhar a audiência a partir do palco e nas reacções da audiência perante esta situação inesperada. Aqui, Ligeti ridiculariza a ideia de arte performativa e, ao mesmo tempo, questiona a natureza da comunicação musical. “Poème symphonique” foi escrito para cem metrónomos e dez intérpretes.

“A maior parte da música de Ligeti depois de finais dos anos 1950 envolveu abordagens radicalmente novas da composição musical”, escreve a “Enciclopaedia Brittanica”. “Frequentemente, intervalos musicais específicos, ritmos e harmonias não são distinguíveis, mas actuam em conjunto numa multiplicidade de efeitos sonoros para criar música, por vezes de uma suave quietude, por vezes com um dinâmico movimento angustiado”.

Podem encontrar-se bons exemplos destes efeitos em “Atmosphéres” (1961), para orquestra, e “Requiem” (1963-65) para soprano, meio-soprano, dois coros e orquestra.

Outro aspecto do seu trabalho foi a tentativa de obliterar as diferenças entre vozes e sons instrumentais. Em “Aventures” (1962) e “Nouvelles Aventures” (1962-65), os cantores quase não “cantam” no sentido tradicional do termo.

No seu concerto para violoncelo (1966), o habitual contraste de concerto entre solistas e orquestra é minimizado, sobretudo com linhas muito longas e mudanças lentas. Outros trabalhos incluem “Clocks and Clouds” (1973), para coro feminino e orquestra, e “San Francisco Polyphony”, para orquestra (1974).

A música de Ligeti tornou-se conhecida do grande público através do filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de 1968, cuja banda sonora inclui cinco temas seus: “Requiem para soprano, meio-soprano, 2 coros mistos & orquestra”, “Lux Aeterna”, “Atmospheres”, “Lontano” e “Adventures”.

Grande compositor da segunda metade do século XX

O compositor António Pinho Vargas, que conheceu pessoalmente Györgi Ligeti num curso de Verão na Hungria, em 1991, considerou-o “o grande compositor da segunda metade do século XX”. Era “brilhante, inteligente e muito culto (...) Era um homem muito atento ao mundo, para além do que habitualmente são os compositores da sua geração”, disse Pinho Vargas à Lusa.

Pinho Vargas reconheceu que o compositor austro-húngaro influenciou a sua música, afirmando que “Ligeti deixa um legado muito rico” e “foi um homem que inventou sucessivamente o modo de fazer música”. “Tinha uma inquietação constante e é notável que aos 70 anos tenha mudado o seu estilo, pois repensava-o constantemente”, acrescentou.

Entre as peças de Ligeti, Pinho Vargas destacou a ópera “Le Grand Macabre”, o “Segundo quarteto para cordas” e as três peças de “Estudos para piano”.

O musicólogo Rui Vieira Nery qualificou, por seu lado, György Ligeti como “um espírito livre que renovou constantemente a maneira de escrever música”. Disse, citado também pela Lusa, que “conjuga uma vontade de prosseguir a história da música, de inovar, de grande vanguarda, nunca ficando preso a nenhuma gramática estética”.

Ligeti abandonou a Hungria em 1956, depois de as tropas soviéticas terem esmagado um levantamento popular contra o regime comunista. “Ele estava nos antípodas estéticos do que era o gosto oficial do regime húngaro de então”, asseverou. O musicólogo referiu ainda o “cidadão empenhado e atento” mas salientou “que a sua obra não é militante”.

Outra faceta de Ligeti salientada por Vieira Nery foi a da “possibilidade de experimentação”, onde se revelou “independente de sistemas fechados”. A este propósito citou a sua peça para cravo “Hungarian rock” onde se baseou nos ritmos do “rock”, mas “tratando-os de forma erudita”.

Sugerir correcção
Comentar