A informação engaiolada

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ASMAA WAGUIH/REUTERS

Dentro da “gaiola dos acusados” de um tribunal do Cairo, na segunda-feira, estavam três jornalistas da televisão Al-Jazira, acusados de espalhar “notícias falsas”, como vídeos mostrando “o Egipto em guerra civil”, e de cumplicidade com a ilegalizada Irmandade Muçulmana, declarada “organização terrorista”. As condenações foram pesadas. O australiano Peter Greste e o egipto-canadiano Mohamed Fahmy foram condenados a sete anos de prisão, enquanto o produtor egípcio Baher Mohamed recebia duas penas, uma de sete e outra de três anos. Onze outros jornalistas da Al-Jazira foram condenados à revelia. 

A Irmandade foi afastada do poder pelos militares, liderados pelo chefe do estado-maior, general Abdel Fattah al-Sissi, no dia 3 de Julho de 2013, após um largo movimento popular contra os abusos dos islamistas. Em Maio passado, Sissi foi eleito Presidente. Quando alguns esperavam uma normalização da vida política e um esboço de reconciliação nacional, a repressão subiu de nível. Continuam a ser pronunciadas sentenças de morte contra os islamistas. E também figuras incómodas da oposição laica estão a ser perseguidas. 

A imagem fala por si. Não é hábito ver jornalistas na “gaiola”, equiparados a terroristas, o que é uma forma superior de representar uma “imprensa amordaçada”. 

Há duas narrativas por trás da imagem. A primeira é a evidente: “É uma mensagem dirigida ao media independentes”, diz o jurista egípcio Mohamed Lotfi. “É o aviso de que se o jornalista está na posse de imagens de manifestações, ou se entrevista personalidades que as autoridades não aprovam, corre o risco de ir parar à prisão.” Mohamed Fahmy, jornalista conhecido pelo seu rigor, denunciou esta “paródia de justiça” e a “farsa de uma condenação sem provas”. Foi um processo político. E apontou uma pista: “Ficámos reféns do confronto político entre o Egipto e o Qatar.” A Al-Jazira pertence ao Qatar que apostou na Irmandade contra os militares, enquanto os sauditas faziam a escolha inversa. O Qatar denuncia hoje a “caça às bruxas” contra os partidários da Irmandade, enquanto Riad financia o novo governo. É uma “guerra” regional.
O ajuste de contas entre os militares egípcios e a Al-Jazira tem contudo raízes mais antigas. Remonta à mobilização para derrubar Mubarak em Janeiro de 2011. As redes sociais desempenharam um papel crucial. Mas foi a Al-Jazira que transformou a revolução tunisina de Dezembro de 2010 em modelo a copiar. Anotou, na altura, o analista americano Marc Lynch: “A noção de que há uma luta comum através do mundo árabe é algo que a Al-Jazira ajudou a criar. Não cria os acontecimentos, mas é difícil imaginá-los a acontecer sem ela.” Os generais nunca o esqueceram.

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