Câmara quer uma Via Central em Coimbra mas há quem não se conforme com o projecto

Proposta de referendo é votada nesta quinta-feira em Assembleia Municipal. Câmara quer reabilitar terrenos por onde passaria o Metro Mondego, criando uma nova avenida na cidade.

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Proposta da câmara CMC

A Cromagem Baía funcionava no número 79 da rua Direita, na Baixa de Coimbra. Carlos Mendes trabalhou lá durante 40 anos, primeiro como funcionário, depois como proprietário, até ao seu encerramento forçado, em 2004. O edifício seria expropriado e demolido no ano seguinte para que fosse construído um canal dedicado à passagem do Metro Mondego.

Mesmo destino teve o restaurante, a barbearia e tantos outros edifícios que a rodeavam para abrir passagem para o transporte que ligaria a Lousã a Coimbra. O resto do processo é conhecido: os edifícios foram demolidos, o projecto do Metro nunca passou disso mesmo e os terrenos ficaram desocupados até hoje.

A Câmara Municipal de Coimbra (CMC) quer agora avançar para a demolição de uma última barreira de edifícios na rua da Sofia para abrir uma via, com o objectivo de resolver a “chaga”, a “cratera” no “coração da cidade”, como lhe chamou o autarca de Coimbra, Manuel Machado. Um outro propósito é facilitar a instalação do Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM), caso este venha a avançar.

A questão não é tanto a necessidade de intervir – que é consensual – mas a forma como é feita. O movimento Cidadãos por Coimbra (CpC), que elegeu um vereador, contesta o projecto aprovado em Fevereiro em reunião de câmara e quer que os munícipes o votem num referendo local. Os deputados da Assembleia Municipal votam na quinta-feira a proposta de realização do referendo, sendo que o PS já se posicionou contra.

O movimento tem feito campanha para a realização do referendo sobre a intervenção naquela zona, espalhando cartazes pela cidade e lançando uma petição pública. A lista de primeiros subscritores inclui personalidades de vários campos, como o sociólogo Boaventura Sousa Santos, a eurodeputada Marisa Matias (BE), a ex-deputada pelo PS Helena Freitas (eleita pelo círculo de Coimbra) e o professor universitário Norberto Pires (ex-PSD e ex-presidente da CCDRC).

Para a abertura do canal, “é condição prévia a demolição e reconstrução” de três edifícios na rua da Sofia, classificada como património da Humanidade pela UNESCO. É a passagem que levanta dúvidas no documento aprovado pelo executivo em Fevereiro, uma vez que Manuel Machado, à comunicação social, disse que seria apenas demolido um dos edifícios e que a fachada dos outros dois seria mantida. No início desta semana, o autarca assegurou que o que disse “corresponde ao que está no projecto”.

José António Bandeirinha é um dos quatro deputados eleitos pelo CpC em 2013, mas a sua relação com o espaço onde a autarquia quer abrir a Via Central não é tão recente. O docente do departamento de arquitectura da Universidade de Coimbra era presidente da associação cívica Pró Urbe em 2005, tendo-se pronunciado então contra o avanço das demolições, "antes de estarem absolutamente seguros de que o projecto do metro se iria concretizar".

Agora como há 11 anos, Bandeirinha justifica ao PÚBLICO a posição: “não se fazem demolições sem um projecto”. Quando diz que não há um projecto, o deputado quer dizer que o documento que passou na câmara não tem elementos suficientes para explicar a intervenção.

“O que está neste momento em cima da mesa é demolir tudo para depois 'logo se ver'. Isso não pode ser”, contesta. O arquitecto chega a dizer que a abertura da via é pior que a demolição da Alta Universitária de Coimbra durante o Estado Novo, não em termos de escala mas no propósito. “Quando fizeram as demolições, tinham um projecto”, fundamenta. O que estava em questão no projecto para o Metro Mondego era “um canal dedicado ao eléctrico rápido”; agora, diz, “a 'via' pode até nunca ter um transporte. Pode ter automóveis, é uma coisa abstracta, indefinida”.

Revitalizar a zona

O proprietário da Cromagem Baía não se recorda do mês nem consegue já apontar o ano, mas lembra-se que foi numa sexta-feira por volta das 17h00. “Talvez tenha sido em 2004”. Entra o engenheiro e uma funcionária da câmara municipal: “Carlos Alberto Mendes, proprietário da Cromagem Baía, número tal, fica notificado que, a partir de segunda-feira, fica encerrada a sua oficina”. “Eu fiquei doido”, conta. A questão foi resolvida com a ajuda da sua filha, advogada, e acaba por contar que a indemnização até foi satisfatória. Já o destino dos terrenos, não.

O descampado aberto no centro da cidade acabou por funcionar como centro de gravidade de problemas sociais e levou o tráfico de droga até à rua Direita. Hoje com 69 anos, Carlos Mendes ainda vai beber a bica ao café de Santa Cruz, a poucos passos da antiga cromagem, mas diz que, ultimamente, até lhe custa ir àquela rua.

Vítor Marques, da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, declara-se a favor da Via Central, ao considerar que é esse mesmo o problema que é preciso resolver: o da degradação da baixa. O representante dos comerciantes da Baixa entende que “a obra deve avançar” para “ajudar à reabilitação do comércio e de toda aquela zona” e resolver o “buraco” aberto há mais de uma década. Acreditando que, mesmo que a via seja rodoviária, a intervenção pode atrair clientes, para o dirigente da APBC, esta é uma forma de “eliminar problemas” na zona, como o consumo e tráfico de droga e prostituição.

Para o fazer, o socialista Manuel Machado disse, no decorrer de uma visita aos terrenos da Via Central, que 30 milhões de euros de fundos europeus poderão ser aplicados na regeneração da Baixa da cidade, no âmbito do SMM, isto para além dos 30 milhões do Orçamento de Estado deste ano a utilizar na prossecução das obras do sistema de mobilidade.

Para a Sociedade Metro Mondego, o Orçamento de Estado de 2016 contempla 2 milhões de euros. O PÚBLICO tentou obter esclarecimentos junto da CMC sobre os valores avançados, mas o presidente encontrou-se em reuniões até ao final da tarde de quarta-feira. A secretaria de Estado das Infraestruturas não comenta “as diversas tomadas de posição dos autarcas sobre este assunto”, mas acrescenta que “tem vindo a analisar as várias soluções possíveis para o SMM, no quadro das restrições orçamentais que são conhecidas”.

Sobre o valor dos fundos comunitários apontado pelo autarca, a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Centro (CCDRC), Ana Abrunhosa, também não comenta. Em resposta ao PÚBLICO, por email, a responsável diz desconhecer o contexto em que as declarações foram proferidas, acrescentando que o valor atribuído pelo Centro 2020 para o Programa de Regeneração Urbana de Coimbra é de 18 milhões de FEDER.

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