Reinado de Cristiano continuará com metamorfose de "fera imprevisível"

Ronaldo surge nesta segunda-feira como favorito na entrega dos prémios FIFA para melhor futebolista do mundo. O futuro do internacional português passa cada vez mais pela zona central do ataque.

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Cristiano já foi distinguido pela France Football em 2016 Stringer/Reuters

Com mais um galardão de melhor do planeta na mira, a ser entregue pela FIFA esta tarde (17h30), em Zurique, Cristiano Ronaldo sabe que o topo do mundo é um lugar instável, de estatuto efémero, em especial para quem tem que prová-lo a cada segundo, dentro e fora de campo, pelo que mais do que ninguém - se exceptuarmos o arquirrival Messi – está ciente de que enfrentará nos próximos anos o mais ingrato dos desafios, um adversário implacável que Fernando Santos resumiu numa frase difícil de desmentir: “Trinta anos não são vinte”. Um diagnóstico válido mesmo para quem já provou ter uma capacidade de sacrifício e uma ética de trabalho invulgares, rodeando-se de todos os meios tecnológicos e científicos capazes de abrandar a marcha do relógio biológico.

Carlo Ancelotti elegeu, sem hesitar, o "astro" português como o melhor profissional que teve o privilégio de treinar. O italiano pasmou com a determinação de Ronaldo, capaz de desafiar um tanque de crioterapia às três da madrugada, desprezando o conforto do lar, trocando-o pelo espartano centro de treinos só para acelerar a recuperação depois de mais um jogo ou mais uma das inúmeras viagens do Real Madrid. Mentalidade e vontade férreas raras que cultiva desde menino, quando poderia limitar-se a exibir alguns dos dons, como a habilidade e a criatividade, para se destacar dos demais.

Depois de ter dito peremptoriamente que não via Cristiano como um ponta-de-lança puro (mesmo não havendo registo de “matador” com instinto mais apurado), o seleccionador campeão europeu aconselhou Ronaldo a começar a pensar em movimentar-se em espaços mais reduzidos e a desconstruir o futebol que o caracteriza e distingue, colocando o verdadeiro desafio ao nível psicológico, mais do que propriamente no plano físico.

Perceber e abraçar antecipadamente a realidade que se insinua e instala, sugerindo uma metamorfose no futebol do madeirense, pode ser a chave para o monstro de todos os recordes se converter numa fera indomável e ainda mais imprevisível, como propõe Agostinho Oliveira, que viu Cristiano passar-lhe por entre os dedos à velocidade da luz nas selecções jovens e testemunhou o salto quântico do jovem de 18 anos rumo ao estrelato.

Antigo futebolista, militar, professor, psicólogo e seleccionador, Agostinho Oliveira concorda com a avaliação de Fernando Santos, ao afirmar que Cristiano não possui características de homem de área, quando se torna evidente que a velocidade acabará por traí-lo no papel de extremo esquerdo. Apesar das toneladas de golos que o tornam num dos maiores "caçadores de cabeças" de guarda-redes, Ronaldo nunca se resignará nem permitirá que os defesas o vejam como alvo fácil de marcação. Daí o conceito de liberdade táctica que Fernando Santos antecipa e que Agostinho Oliveira baptiza de andarilho.

Uma anarquia que extraia e potencie toda a maturidade que foi desenvolvendo nos maiores areópagos mundiais. Aliás, é convicção firme de Agostinho Oliveira que se Cristiano for capaz de converter todo o “excepcional domínio de corpo, a exuberância e o futebol explosivo” que fizeram dele quem é actualmente, passando a gerir os momentos e o processo de jogo no último terço com “a maturidade e mestria de um líder em campo", os próximos anos poderão continuar a ser proveitosos. "Poderá tornar-se em algo de verdadeiramente terrível para os adversários, sem antídoto para adormecer uma fera que passará a ser ainda mais imprevisível, capaz de recorrer a uma paleta infindável de soluções", sublinha, em declarações ao PÚBLICO.

Subordinar o carácter indomável e uma personalidade única a uma táctica sem grilhetas, que Cristiano possa expandir e sublimar com a sua própria interpretação, levaria a uma nova era para CR7. O único problema seria cair numa espécie de dilema que a dada altura se coloca a todos os futebolistas e que Zidane tem vindo a abordar, conversando com o português sempre pronto para ir a todas.

“Os jogadores não aceitam bem o final da carreira. Mesmo quando chega o momento, nunca pensam que acabou. No caso do Cristiano Ronaldo será ainda mais difícil dizer-lho”, explica Agostinho Oliveira, actualmente conselheiro da federação chinesa de futebol, mercado que poderia seduzir o capitão da selecção portuguesa.

“Tão cedo, não creio que a China seja o destino do Cristiano. No patamar dele, os valores com que possam acenar-lhe não farão diferença. Já o futebol americano, Miami… é outra história. No entanto, a orientação de baliza, o foco constante no remate, o jogo de cabeça, a fixação pelo golo é algo que os chineses adoram e não encontram facilmente. Nesse aspecto, a China assenta-lhe como uma luva. A cultura táctica e futebolística, a mentalidade obstinada e a capacidade de sofrimento – e nesses aspectos estamos a falar de um herói desde o início - são valores muito importantes para os chineses”, completa Agostinho Oliveira, que continuará atento às futuras proezas de Cristiano.

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