“Há tipos que jogam lindamente, mas que não aquecem nem arrefecem ninguém”

João Zilhão, director do Millenium Estoril Open, fala das dificuldades em arranjar tenistas do top 10, da (não) relação com João Lagos e de o torneio já poder dar lucro em 2018.

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João Zilhão, director do Estoril Open Enric Vives-Rubio

Ainda há muita coisa para montar no Clube de Ténis no Estoril até estar tudo pronto para receber a terceira edição do novo Estoril Open, que vai decorrer entre 29 de Abril e 7 de Maio. E ainda há um lugar no quadro principal para uma “truta”, que é o mesmo que dizer, um “top 10” do ranking ATP. Pelo menos é essa a vontade de João Zilhão, o director do torneio — ter um dos dez melhores no Estoril, algo que não aconteceu nos dois primeiros anos e que nunca é fácil para um ATP 250. Ao PÚBLICO, mostra-se satisfeito com o lote de jogadores que conseguiu, como NIck Kyrgios (15.º), Pablo Carreño Busta (19.º), Richard Gasquet (22.º e vencedor em 2015) ou Juan Martín Del Potro (35.º), e recorda as dificuldades que teve para manter o torneio em Portugal depois da falência de João Lagos.

Ainda está agarrado ao telefone para trazer um “top 10” ao Estoril Open?
Temos estado em conversas com o agente de um jogador do top 10. Há negociações em curso.

Está dependente do que acontecer nos torneios que antecedem o Estoril Open?
Não. É um jogador que quer jogar nessa semana. A decisão é dele. A proposta já foi mandada.

O João já tem muita experiência do contacto com jogadores e agentes. Os atletas de ranking mais alto são os mais caros, ou não é necessariamente assim?
O valor de um jogador está intrinsecamente ligado ao seu carisma e ao seu apelo ao público e aos media. Vou dar um exemplo fácil. No início do ano, o Roger Federer era 17.º do mundo e não fica um euro mais barato por isso. Dou outro exemplo. O Juan Martín del Potro, quando fechei, era 30.º ou 40.º do mundo. É um jogador muito valioso, que tem muito carisma, o público adora-o, já ganhou um Grand Slam [US Open 2005], já foi n.º 4. Em contraponto, há jogadores do top 10 que não têm este valor. As pessoas têm este valor intrínseco, jogadores como eram o Agassi, o Sampras, como é o Nadal, que o público e os ‘sponsors’ adoram e que por isso são muito caros.
Os torneios 250 normalmente não têm top 10 porque são semanas em que os jogadores descansam. O nosso torneio está entre três Masters 1000 e um ATP 500, e eles não podem jogar os torneios todos. Por isso, estamos muito contentes com o quadro que temos, por podermos trazer dois jogadores com a qualidade e o carisma do Kyrgios e do Del Potro.

E ter dois portugueses no top 100 também é um valor acrescentado para vocês.
O ténis português está a viver momentos muito bons. O João Sousa está estabilizado no top 50 e está a provar que merece estar lá em cima. O Gastão tem feito uns brilharetes, mas o ténis obriga à regularidade e o Gastão tem tido uns resultados menos bons. Mas é um valor seguro.

Não havendo, para já, nenhum top 10, está satisfeito com este quadro?
Obviamente. O nosso torneio tem tido um lote de jogadores apelativo, temos sentido esse buzz nos media e com os nossos ‘sponsors’. Todos os dias teremos excelentes jogos e nem todos poderão ser neste court principal, vamos ter de os espalhar por outros. Quem comprar bilhete, vai ter espectáculo garantido. Temos apostado desde o primeiro ano em trazer os futuros grandes campeões. Por exemplo, considero que o Nick Kyrgios tem o potencial para ser o número um do mundo e é com grande satisfação que conseguimos atrair pelo terceiro ano consecutivo este prodígio australiano. Já provou a todo o mundo que pode fazer. É um tipo extraordinariamente interessante, dá espectáculo, mete bolas debaixo das pernas, faz 30 por uma linha, tem uma excepcional relação com o público. É muito problemático noutros torneios, aqui tem conseguido agradar a toda a gente. Tem sido inexcedível. O Nick tem uma personalidade forte e é disto que o ténis precisa, de personalidades. Há tipos que jogam lindamente, mas que não aquecem nem arrefecem ninguém.

À medida que ele vai subindo, também contam com a relação afectiva para que continue a vir.
Cada vez será mais difícil. Está a subir em flecha e todos os torneios o querem. Os valores começam a subir. Há vários nomes que cobram mais de um milhão de euros por torneio. Este ano as negociações já foram muito difíceis. Nunca falo em cachets, mas subiu consideravelmente desde 2015. Veio cá como 40 do mundo e agora está à porta do top 10.

Juan Martín del Potro também é um tenista especial.
É dos que, independentemente do ranking, tem um valor extraordinário em termos de carisma e de currículo, é um jogador que atrai multidões. E que nos fez ir atrás dele. Foi um investimento considerável, que fez alguma mossa no budget, mas o agente dele também é o mesmo do Roger Federer. Isso tudo junto e foram seis meses de negociações.

O que é que o Estoril Open pode oferecer que os torneios de Munique e Istambul não conseguem?
Julgo que nós aqui conseguimos ter uma componente de hospitalidade fantástica. O hotel é considerado pelo ATP como um dos melhores do mundo [Cascais Mirage], a vista, o serviço, as suites com as varandas em cima do mar. A proximidade entre o clube e o hotel, a gastronomia, o clima, a segurança, a proximidade com Madrid. Todos estes factores contribuem para poderem vir cá em vez de ir a outros torneios que passam cheques maiores.

O João Sousa é um fixo do torneio, mas não consegue fazer uma carreira muito longa. Isso acontece porquê?
Acho que são vários factores. Para além de ser o melhor português, ele é gerido pela Polaris, um dos sócios deste projecto, e é apoiado pelo title sponsor. Para além de jogar em casa, está a jogar o ‘seu’ torneio. Estes factores dão um pouco mais de pressão. E não há nenhum jogo fácil a este nível.

Ano três deste novo Estoril Open. Que balanço faz?
Estamos muito satisfeitos. Tem tido grande reconhecimento do ATP, dos sponsors, do público e dos media. Têm visto aqui coisas muito bem feitas e que são consideradas ‘best practice’. Temos uma zona corporate considerada como a melhor do mundo, um restaurante com 600 lugares em cima do court. Madrid, por exemplo, tem uma zona vip extraordinária, mas é longe, não se vê ténis nenhum.

E não são todos os torneios que conseguem trazer o Presidente da República.
Exacto. É excelente também. Ele já vinha antes. É um grande adepto de ténis. Não posso garantir datas, mas sabemos que há esse desejo. Tudo isto exige semanas e semanas de planeamento com toda a sua equipa de protocolo.

Os jogos nocturnos foram uma aposta ganha?
Não inventámos a roda, mas quisemos reproduzir o que se faz na Liga dos Campeões. As pessoas saem do trabalho e vêm ver ténis.

Como foi fazer as coisas em contra-relógio para montar o torneio do zero em 2015?
Foi exactamente isso, em contra-relógio. Foi muito duro. Estávamos num espaço que não conhecíamos, não sabíamos como isto ia funcionar numa casa que não era nossa. Conseguir montar o puzzle não foi nada fácil, havia muita gente que pensava que não ia resultar. Tivemos sorte e tivemos mérito e tivemos parceiros que acreditaram em nós. Este projecto só está vivo porque houve uma câmara de Cascais, um Millenium BCP, sócios com capacidade financeira. Foi preciso muito dinheiro e muito vigor.

Com todos os problemas que se conhecem, quão perto esteve Portugal de perder o seu único torneio ATP?
Esteve perdido durante dois meses. A partir do momento em que o João Lagos atirou a toalha ao chão, em finais de Outubro de 2014 e Janeiro de 2015, quando nos atravessámos, não havia torneio, estava um TBC [To Be Confirmed] no calendário. E havia muitos candidatos para essa vaga. Se não fôssemos nós, o torneio perdia-se para sempre. No primeiro ano, fomos para a frente com grande risco, mas estamos nisto a médio e longo prazo, sabíamos que íamos perder dinheiro no primeiro ano e no segundo, porque isto é caríssimo. O projecto custa mais de três milhões de euros.

Como são as vossas relações com João Lagos? Havia o contencioso com o nome do torneio.
Esse contencioso era com a Câmara de Cascais. Não nos envolvemos nisso. O nome pertence à Câmara de Cascais, eles registaram-no. Nós chamaremos ao evento o que a Câmara quiser. Obviamente que o evento, sendo no Estoril, fez todo o sentido este nome. Esse contencioso foi resolvido favoravelmente para a Câmara de Cascais.

E as relações do organizador novo com o organizador antigo?
Trabalhei com João Lagos até 2012, fui despedido em 2012 e nunca mais falámos. Não há relação nenhuma.

O vosso acordo com o ATP é até quando?
É um acordo ‘ongoing’. Para já, temos definidas as datas de 2018, de 28 de Abril a 6 de Maio. O calendário dos anos seguintes está a ser desenhado. As relações são de excelência, eles estão muito contentes com o projecto. Acredito que estará garantido por muitos anos. Todo o feedback que temos é muito positivo. Não há razão para Portugal não continuar a ter um torneio. E o ATP gosta de tocar o maior número de países e cidades.

Pode dar exemplos de algumas cidades que estejam “doidas” para entrar no calendário?
Há muitas. Na Ásia é uma loucura. Há muito dinheiro e há muitas cidades que querem entrar no mapa. Torneios dão visibilidade, credibilidade, horas de televisão.

E a parceria com o Millenium BCP é para continuar?
Estão satisfeitos com o retorno. Eles também apostam no João Sousa. O feedback que temos é que será uma aposta a médio e longo prazo. Temos um acordo para 2017 e estamos em conversações. As indicações são muito boas.

O que significa a parceria com o Millenium BCP em termos de orçamento para o torneio?
É um valor muito importante. Sem ele e sem a Câmara de Cascais, este projecto não seria possível.

Já dá lucro?
Está perto disso. É um evento extremamente caro. Há áreas em que não poupamos para que haja o nível de qualiade que queremos. Espero que em 2018 já dê lucro.

Há espaço para acrescentar um quadro feminino a este evento?
Seria muito interessante um evento feminino. Neste momento está perfeito para um ATP 250. Adicionar um torneio feminino implicaria adicionar mais courts, mais balneários. Mais três balneários e mais seis a oito courts.

Em três anos, já tem histórias boas para contar?
Tantas. O ano passado fizemos uma surpresa ao Nick Kyrgios. Ele fazia 21 anos e nós conseguimos arranjar pequenos vídeos da família, dos amigos, da namorada, do cão e depois fizemos um vídeo. Ele ficou muito emocionado e depois fizemos um bolo espectacular com ténis e basquetebol.

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